quinta-feira, 30 de julho de 2009

CINEMA E OUTRAS COISAS MAIS

Um filme, de uma peça teatral que eu não vi, chamou-se “Boeing Boeing”. Eu lembro agora com um novo blog editado pelo meu neto Olavo : “blog blog”. Sim, já tinha um “bloguinho” que me parecia a Conceição do samba: “se subiu ninguém sabe, ninguém viu”. Agora espero ter mais leitores. Mas se não tiver não faz mal. O jornalista Joaquim Antunes costumava dizer que escrevia para os seus 7 leitores. Eu não penso nem na conta de mentiroso. Escrevo porque gosto de escrever. E levo na gozação o que para muita gente é sério. Sou da escola do cineasta italiano Dino Risi: “rindo castiga-se mais”. Ou do velho conselho à titulo de receita: “rir é o melhor remédio”. Não é disparate: há remédios que doem, e os efeitos colaterais em muita gente que eu conheço não estão para mentir.
Começo o novo blog tratando da minha droga: o cinema. E neste julho moribundo a programação comercial do gênero assume outro tipo de droga. Depois de “Inimigos Públicos”, afinal um filme de gangster caro, bem feito, mas sem muito a dizer além do que se disse no tempo de James Cagney, só “Rio Congelado”, aquela pequena jóia encimada pela cara sofrida da atriz Melissa Leo, ela a cantar que o rio canadense não é sua rua mas o seu sofrimento, abandonada pelo marido, criando como pode dois meninos, obrigada pela necessidade a contrabandear gente para Nova York. O filme foi o que de melhor eu vi fora de casa este mês. Dentro de casa vejo a média de dois DVDs por dia. Revejo coisas que deixaram saudades como Irene Dunne atropelada ao ir se encontrar com Charles Boyer no Empire State Building segundo Leo McCarey (“Duas Vidas”/Love Affair) e descubro suspense(mesmo) como “O Vizinho” (Lakeview Terrace) de Neil Labute. Há muito na Fox Vídeo ou no meu arquivo. É o meu abastecimento. Sem ele já estaria mordendo cachorro. E agora nem isso: um dente safado está me lembrando que canal não é só o de Suez ou do Panamá, este último visitado no inicio do mês por duas filhas e suas famílias.
Bem, por hoje é só. Experimento este blog que a minha Luzia ajudou a dar a luz.Mas creiam-me: não vou abandonar o outro. (PV)

QUEM SURFOU NA NOVA ONDA?

Há 50 anos os críticos da revista “Cahiers du Cinema” passaram da teoria à prática. À frente do grupo os jovens François Truffaut, Jean Luc Godard e Claude Chabrol. Dos três, só um achava que o cinema estava na pré-história, que os filmes feitos até então seriam como “pinturas rupestres”, que se devia mudar a linguagem para não assumir a pecha de “vovozinha contadora de histórias”: Godard. O que ele passou a fazer foi definido pelo critico brasileiro Antônio Moniz Vianna, morto este ano, da seguinte maneira: “Os atores estão sentados adiante de uma mesa, cada um numa cabeceira, e a câmera não dá um plano geral, mas um plano médio, ou mesmo close, do meio da mesa”. Seria como fazem hoje nos DVDs de filmes scope em que se subtrai o processo panorâmico da gravação cortando as laterais na adaptação para a tela cheia (full screen). Quem comprou o DVD de “Gigi”(Vincente Minnelli, 1959) sabe disso: Maurice Chevalier canta e é respondido por Hermione Gingold, cada um em uma extremidade de uma mesa. A câmera faz um estranho campo-e-contra-campo, virando-se para um e para outro da forma que não existia no filme original (era um plano fixo).
Godard pensa filmando e derrama erudição nisso. Truffaut e Chabrol não seguiram essa trilha. Truiffaut foi eclético, trabalhando com elegância a linguagem tradicional ora em roteiros originais ora (e na maioria das vezes) adaptando obras literárias. Chabrol, admirador de Hitchcock (como Truffaut) fez e faz um cinema de fã, um cinema na linha de seus ídolos (Hitchcock à frente). Outros críticos que conseguiram chegar à prática não fizeram da “onda” (vague) um tusiname. Foram comedidos como Louis Malle, inventivos como Alain Resnais, ou literários com algum pedantismo como Eric Rohmer o mais velho da turma.
É certo que a narrativa cinematográfica mudou depois das “nouvelles vagues”: não só francesa como alemã, inglesa e até brasileira. Hoje já não se gasta filme explicando coisas. Por exemplo: se ma gente vê uma pessoa abrir uma porta o plano seguinte não é obrigatoriamente o desta pessoa do outro lado da porta. Pode-se ver um outro espaço e um outro tempo. O espectador engole o seu raciocínio indutivo e passa a imaginar o que aquilo quer dizer. Isso virou moda até em Hollywood. Mas é certo que a maioria das vezes emprega de forma gratuita a inovação. No recente “Nelly”(À Ce Soir/2004) de Laure Duthilleul, não se sabe de chofre quem são mesmo algumas das figuras em cena (a enfermeira, o médico, o morto). E se a intenção foi fazer uma comédia sobre um funeral inusitado ou se um drama em torno do estresse que a morte de uma pessoa causa na família.
Há uma frase dita por Burt Lancaster em “O Leopardo” de Visconti não sei se tirada de Lampedusa, o autor do original: “É preciso mudar para continuar tudo como está”. Seria a idéia de Truffaut e Chabrol, mas não a de Godard. Interessante é que ele, Godard, dedica o seu filme de estréia, “Acossado” (À Bout de Souffle) aos acomodadíssimos filmes C da Monogram Pictures, empresa norte-americana que produzia a ralé da industria (faroestes e policiais de uma hora de projeção). Nada mais diferente do estilo que o francês passou a usar. Seria como se você reescrevesse um livro denso a seu critério, um modo muito diferente do que estava escrito.
Atualmente, em especial no âmbito juvenil (que não se mede por idade), os critérios de um cinema com outra métrica são benquistos. Os jovens surfam bem na onda que visa destruir velhos castelos. Mas ainda se pede um mínimo de atração consciente, ou seja, de uma base para raciocinar o que o cineasta quis dizer fazendo assim e assado. Se não for desse jeito, um filme rodado com a câmera de cabeça para baixo é tido como uma nova forma de visualizar o mundo caótico em que se vive. Aliás, há um fato interessante nessa linha: contam que havia uma seqüência desfocada num filme do cinema-novo brasileiro feito por uma celebridade do movimento. O autor recebeu a noticia do laboratório, por telefone, e como não tinha grana para refilmar mandou que revelassem assim mesmo. A critica exultou com a propriedade do desfoque. E não vamos longe: em uma de minhas brincadeiras de cinema, “O Deus de Ouro”(1952), uma tomada com filme vencido deu em uma escuridão não planejada com lampejos de luz no meio do quadro. Era uma cena de safári, com os personagens atravessando um rio. Na projeção me perguntaram como eu fiz “os relâmpagos”.
Cinema é bom desde que comunique. Chacrinianamente ele se trumbica se não for assim. Ou melhor: fica restrito a um grupo que imagina outro filme.(Pedro Veriano)