quinta-feira, 29 de abril de 2010

30 ANOS SEM HITCHCOCK

Poucos diretores de cinema ganharam marquises e até por isso tiveram seus nomes guardados pelo público brasileiro. Apesar de não ser um nome tão fácil de pronunciar como Steven Spielberg ou John Ford ou mesmo Frank Capra, Alfred Hitchcock foi um deles (ou É um deles). A fase americana do cineasta o promoveu a líder de audiência. E ligou seu nome a um gênero: o suspense. Quem não ficou tentando adivinhar quem era realmente Rebecca, a mulher que Daphne du Maurier inventou e no cinema dessas bandas ganhou um subtítulo que quase conta a história: “A Mulher Inesquecível”?. E quem não se perguntou se as SUSPEITAS seriam confirmadas e Cary Grant era mesmo um assassino que tentava matar a esposa Joan Fontaine ? Daí para uma série de indagações e “torcidas”: o assassino Raymond Burr mataria a namorada (Grace Kelly) do fotografo bisbilhoteiro que o espiava por uma “JANELA INDISCRETA?” Como o tenista (Farley Granger) se livraria do maluco (Robert Walker) que lhe pedira uma troca de crimes (ou um “PACTO SINISTRO”) ? A bela esposa do magnata(Kim Novak) que se atirara do alto de uma capela seria a mesma mulher por quem um detetive(James Stewart) chegado a vertigens por alturas se apaixonaria? Seria ela “O CORPO QUE CAIu”? E mais atrás no tempo, o que aconteceu realmente com a senhora idosa que viajava num trem e sumira misteriosamente (“A DAMA OCULTA”)?
Hitchcock não só atiçava o seu público como aparecia em seus filmes como que assinando o trabalho. Penso que só não o fez em “Rebecca”(1940)“Suspeita”(1941) e na fase inglesa. Chegou a deixar sua silhueta num cemitério em “Trama Macabra” como que premeditando o seu fim.
O gordo diretor que o mundo aprendeu a admirar. O esteta que conseguia um numero recorde de cortes numa seqüência filmando a morte de uma jovem no banheiro de um motel(“Psicose”), morreu no dia 29 de abril de 1980. Dia do aniversário do amigo cinéfilo e fã dele Alexandrino Moreira, e também da Cláudia Álvares, filha que não só gosta como faz cinema.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Um Festival de História

O cinema Olympia (agora de novo com o “y” perdido nos anos 40) comemora os seus 98 anos com um programa que tenta lembrar as 10 décadas que já viveu. As datas correspondem às exibições, daí se ter representando os anos 1930 um filme de 1928 e os 1940 um filme de 1938.
Engraçado que uma jornalista ao me perguntar sobre a importância dessa mostra deu a entender que me julgava um espectador de todos os períodos. Teria, sei lá, 90 e tantos anos. Quem me dera chegar a isso, mas o que não vi acompanhei por comentários de quem viu. Morei cercado de espectadores, de gente que ia a cinema até em sessão de tarde da noite(e numa época em que ladrão era de coradouro e assassino era trevo de quatro folhas). Esse pessoal conversava muito sobre o que via e eu, garoto, escutava. No papo saiam impressões pretéritas, com minha madrinha falando dos primeiros filmes falados, minha mãe contando como era o Olympia na fase do cinema mudo, enfim, cobrindo todo o percurso das exibições, antes acompanhadas por “orchestras” debaixo da tela (e uma na sala de espera), depois com o muito de canto e dança, contidos nas operetas ou nos musicais da Metro.
“O Lírio Partido”(Broken Blosson) é de 1918 e passou no Olympia em 1919. Lllian Gish, que filmou até a década de 70, faz a jovem amada de um chinês. Foi, pode-se dizer, a desculpa de Griffith, o célebre diretor, à sua investida no preconceito étnico que exibiu em “Nascimento de uma Nação” (Birth of a Nation/1914).
“Ben Hur” de Fred Niblo (1925) marcou época. Meu tio Oswaldo (Vavá) dizia-se, por causa desse filme, fã de Ramon Novarro, o ator. Machista inveterado não sabia que Novarro era gay. Se soubesse não escreveria no verso de uma foto: “Não é Ramon Novarro,é o Direito(como ele era conhecido)”.
“Alvorada do Amor”(The Love Parade) tem história por trás dos projetores. Foi o primeiro filme falado exibido bem Belém. Precisamente no dia 30 de novembro de 1930. A técnica iría para o Cine Moderno, em Nazaré, mas a revolução acontecida no momento fez com que a sessão fosse interrompida. Meus pais iam, mas foram avisados antes do que possivelmente iría acontecer. Escaparam por um fio.
O filme é do gênero opereta, um dos que mais atraía público no velho Olympia. Jeanette MacDonald era a soprano mais querida. O par dela, dos anos 30/40, era o barítono Nelson Eddy. Neste filme de 1928 que Ernst Lubitsch dirigiu, quem pontilhava era Maurice Chavalier, o “chansonnier” como chamavam. Ele cantou e encantou três gerações (até “Gigi” em 1958). Só pegou mal na época da França ocupada, quando chegou a cantar para os nazistas. Os resistentes não o perdoaram de imediato. O perdão viria em 1951 com “O Rei” (Le Roi), comédia com boa dose de erotismo onde lançava números marcantes como “La Cachucha” e a canção (linda) “C’Est Finit”. Foi um sucesso no meu Cine Bandeirante em cópia 16mm.
“As Aventuras de Robin Hood”(Adventures of Robin Hood) foi “a cara” das matinais domingueiras, sessão em que a garotada respondia presente em peso. E também das vesperais, todas superlotadas. Errol Flynn era o ídolo das multidões, sucedendo a Douglas Fairbanks, o astro-atleta da fase muda. Olívia de Havilland (ainda viva) seria a sua companheira não só como Lady Marian, o xodó de Robin, como também como a namoradinha de Capitão Blood e de outros heróis de capa-e-espada, que Flynn encarnou para alegrar a juventude pré-televisão.
“A Princesa e o Plebeu”(Roman Holiday) trouxe Audrey Hepburn, a “funny face” ou “bonequinha de luxo”. O tipo de beleza especial, angelical, nada comparado às “vamps”. Ela estrearia ganhando Oscar nesta comédia de William Wyler onde, como parte de realeza, namorava o repórter Gregory Peck. Atraiu muita gente.
“Hannah e Suas Irmãs”(Hannah and Her Sisters) é concessão a Woody Allen. Com o jazz descritivo trata de tudo o que lhe deu direito: da neurose do tipo que Allen interpreta aos romances contrariados. Mia Farrow era a personagem corneada. Sintomático em se tratando do ator-diretor. Michael Caine fazia o galã que pulava a cerca com a cunhada. E a dupla de coroas Maureen O’Sullivan e Lloyd Nolan faziam os pais das jovens focalizadas. Maurren, ex-Jane dos filmes de Tarzan, era na verdade mãe de Mia. Genial o fim, com Allen vendo os Irmãos Marx na tela e aprendendo que é bom viver.
“Um Estranho no Ninho”(A Fidler on the Cuckoo’s Nest) deu Oscar a Milos Forma (diretor)., Jack Nicholson (ator) e Louise Fletcher (atriz coadjuvante). Nicholson é internado num hospício e ajuda os doentes, embora acabe sacrificado ao tentar provar que é apenas “diferente”. O ator faria mais doidos em cinema, sendo o mais votado o de “O Iluminado”de Stanley Kubrick.
“O Sexto Sentido”(The Sixty Sens) revelou o diretor M. Night Shyamalan. Um garoto fala com os mortos e por isso é alvo de um psicólogo. Sucesso enorme de uma platéia que adora temas espiritualistas. Sucesso que se repetiu na década seguinte com “Os Outros”(The Others) do chileno Alejandro Amenábar, o filme que encerra o programa representando os últimos anos do cinema como sala comercial. Depois de 2006 ele seria adotado pela Prefeitura de Belém como Espaço Municipal Olympia. E assim prepara-se para o centenário daqui a dois anos.
Os filmes das décadas atiçam memórias e por isso trazem histórias por trás das histórias que contam. (Pedro Veriano)

sábado, 3 de abril de 2010

O Agente do Além

Francisco Candido Xavier (1910-2002) dizia que só iría desencarnar quando o povo brasileiro estivesse imensamente feliz. Um amigo dizia que nesse caso ele iría “ficar para semente”. Morreu no dia em que o selecionado do futebol brasileiro sagrou-se hexacampeão do mundo.
O mineiro virou um ícone do espiritismo. Criança, via a mãe que já tinha morrido e recebia conselhos dela. A forma de lidar com a madrasta que entre muitas maldades chegou a mandá-lo lamber uma ferida.
De Pedro Leopoldo a Uberaba, Chico, como ficou conhecido, foi o meio de muita gente se comunicar com o além túmulo.Conheci uma senhora, viúva de um médico que foi meu professor, e que visitou Chico e dele recebeu uma carta psicografada do espírito do marido. Chamava as pessoas pelos apelidos. Muitas a senhora, que viveu muitos anos com ele, não se lembrava. E tem muitos outros casos. Diziam, os céticos, que funcionários do médium entrevistavam as pessoas antes da consulta e sabiam de muitas particularidades enfim dissertadas pelas almas em comunicação. Mas com quem eu falei jura que não soltou “dicas” para ninguém; Seria telecinesia ? Transmissão de pensamento? Mas o nervosismo de quem estava na sala esperando as mensagens ocultava qualquer lance de memória.
O caso Chico é um prodígio que alguns vêem como fantasia, outros como realmente um dom de conversar com quem viveu na Terra. E ressalte-se: na última vida. O espiritismo crê na reencarnação e conheci colegas médicos que faziam e fazem regressão sem hipnose capaz do paciente relatar experiências de uma vida anterior.
Mas o que interessa agora é o filme “Chico Xavier” em cartaz nacional. Dirigido e produzido por Daniel Filho com base na mais conhecida biografia de Chico, a escrita pelo jornalista Marcel Souto Maior, é um “tour de force” para sintetizar um mundo de informações. Por isso tenta se eximir de muitas responsabilidades numa frase de abertura: “É impossível contar a história da vida de um homem em duas horas”.Resta sintetizar. E nesta síntese muita força se esvai. Alguns momentos são citados sem definição(o caso de uma reportagem feita por um jornalista do The New York Times). Outros ganham apenas citação, com uma brevidade que dilui a força emotiva dos personagens no momento. E não se define, por exemplo, a identidade de Emmanuel, o guia espiritual, e tampouco os empregos de Chico ao longo dos anos (apenas se vê ele datilografando mas não se diz onde ou o quê),e o modo como conseguiu adquirir as casas onde atendia os clientes(não recebia um centavo dos livros que psicografava,doando o dinheiro das vendas para instituições de caridade). Também não se toca na vida sexual do personagem, restando o episódio (muito interessante) das prostitutas que acabam rezando quando uma delas é selecionada para iniciar o adolescente levado por uma pessoa da família a um bordel.
O filme ganhou muito com os atores de forte semelhança física com o biografado. Mas em nenhum momento é eclético. Apesar de Daniel Filho e Nelson Xavier (que faz Chico nos últimos anos) dizerem-se ateus, o conteúdo é de homenagem, não de discussão cientifica ou histórica Quer dizer: foi feito para os espíritas, e no conhecimento de que o Brasil é o país com o maior numero de crentes na religião&ciência&filosofia (a definição de espiritismo é complexa) codificada por Alan Kardeck.
O resultado em termos de bilheteria deve ser espantoso, Tirei pela estréia em Belém, numa sexta-feira santa. Casa lotada. Mas não sei se a idéia de fragmentar a narrativa a partir da entrevista que Chico deu à TV Tupi (Programa “Pinga Fogo”) foi aceita pela maioria. Parece que o roteiro quis tirar qualquer ranço melodramático. Conseguiu em parte. Ainda mais quando deixou o bom humor do médium para o final. Rir faz bem à alma e não precisa de um homem com Chico Xavier para dizer isso.
Rodado nos locais dos acontecimentos, com uma boa produção, “Chico Xavier”, apesar de jamais chegar a esgotar o assunto, ganha o pódio dos filmes do gênero em terras brasileiras. Dá para satisfazer a equipe. Os críticos não. Tanto que mesmo se escondendo do melô, o encerramento com o processo em que a vitima salva o réu em um tribunal não deixa de focalizar as lágrimas dos pais dessa vitima (Christiane Torlone e Tony Ramos). E pode ser até que alguém da platéia responda de forma recíproca. Afinal, não há maior consolo do que se saber que um ente querido cujo corpo está sepultado na verdade prossegue vivo em outro plano da existência. E mais: consegue dizer que está bem.