terça-feira, 20 de outubro de 2009

ANTI-CINEMA

O sr. Lars Von Trier está precisando urgentemente de uma consulta com o amigo e colega Maiolino Miranda. Depois de fazer onda no seu “dogma”, uma liquidação das conquistas que valeram uma linguagem própria para o cinema, ele ataca no ramo da temática e mexe com o Gênesis, vendo um novo Adão e uma nova Eva, certamente às voltas com o diabo (um dos demônios que atentaram a Linda Blair em “O Exorcista”).
“O Anti-Cristo”(The Anti-Christ/Dinamarca. 2008) quer que se veja a animalização do ser humano, ou melhor, a regressão da espécie humana até chegar a comer capim. Não há uma pontuação “dogmática”, ou seja, daquele jeito que ele queria que ficasse o cinema, sem cortes, sem maquilagens, sem iluminação artificial, sem sem. No tom que se pode dizer normal, apenas em ritmo lento, com muitas seqüências em “ralenti” (câmera lenta), ele focaliza um casal que inicia o filme fazendo sexo e, nessa hora, o seu único filho salta da janela do prédio onde moram. O fato leva a mãe ao delírio. E há um pouco de culpa no pai, que deu um par de botas para o garoto e a mulher pensa que isso o fez se desequilibrar e cair. Diante dessa tragédia, marido e mulher partem para uma cabana, em uma floresta, onde ele, como psicólogo, acha que ela deve se recompor. Pergunto eu: que psicólogo é este que pensa na cura de um caso de angustia com excesso de solidão?
O casal isolado deixa fluir gradativamente comportamentos animalescos. Chega a um ponto em que ela corta o clitóris, lembrando Buñuel cortando um olho em “Um Cão Andaluz”. Isto depois de atirar um bloco de pedra sobre o marido o masturbar a ponto de se ver em primeiríssimo plano uma ejaculação sanguinolenta.
A luta de homem e mulher termina quando ele, o violentado Adão, estrangula a parceira como defesa de sua integridade física. Por sinal que esta integridade física é tratada de forma alegórica, com o sujeito desparafusando uma peça de ferro que transfixou sua perna(e ainda consegue andar).
Friers havia saído de uma crise de depressão ao se lançar na realização do filme. Percebe-se isso, e se perceberia mais se ele não tivesse um passado com obras formalmente insanas. Não é este o cinema que eu aprendi a gostar desde criança. Para mim, cinema-emoção parte do que se expõe de forma a comunicar essa exposição aos meus sentimentos. Forma é a valorização do conteúdo, como um rosto em close num canto da tela e, ao fundo, acontecimentos que dizem razão a esse rosto. Há como valorizar elementos de cinestética à maneira do que fez Orson Welles em “Cidadão Kane”, valorizando a profundidade de campo. Nunca é a rebelião por si, pela experiência gratuita. E se Von Triers era um experimentalista formal hoje é também temático, relendo o Velho Testamento em linguagem blasfêmica, mas sem tocar diretamente no texto bíblico à guisa de paródia como Buñuel fez em “Via Láctea”. Ele apenas mostra o seu inferno interior afiançando um destino que não condiz com um bom tratamento de sua doença. E, sinceramente, ver cinema de doentes não é meu forte, apesar de ter exercido a medicina por longos anos e visto muito filme experimental de laboratório farmacêutico.
“O Anti-Cristo” é, sobretudo, sacal. Não escandaliza porque é muito chato. O espectador comum talvez não se dê para a explicitude de sexo e violência porque já saiu do cinema entediado com a lentidão narrativa.
Bem, há quem goste. O problema é advogar o esse gosto.(Pedro Veriano)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

HASTA LA VISTA,BABY

O hoje governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, lançou a frase em espanhol que ficou na cabeça dos que foram ver “O Exterminador do Futuro” das primeiras partes da franquia: “Hasta la vista, baby”. Pois bem, agora, Eric Bana diz isso para Rachel McAdams. Ele é Henry, nascido com a faculdade de se mover no tempo. Ela é Claire, que o conhece em criança quando surgiu no mato perto de sua casa inteiramente nu (pela primeira vez viajar no tempo implica em tirar a roupa). O filme “The Time Traverler’s Wife”, chamado nos paises latinos de “Te Amarei Para Sempre”(conta o fim), é fruto de um romance de Audrey Niffenegger (que eu não conheço), de um roteiro de Bruce Joel Rubin (“Ghost”, “Alucinações do Passado”, “My Life”) e do diretor de “Plano de Vôo”, Robert Schwentke. Esse time joga na cabeça do espectador a história de um livreiro de Chicago que apesar de ser instável no presente, consegue casar e ser pai de uma menina. Esta menina também nasce com o gene de instabilidade temporal. Mas ela ensina ao pai (que não aprende) um modo de não viajar dias afora: “-Cante para ficar”. E a música é “Daisy”, aquela que o computador Hal 9000 canta ai ser desligado pelo astronauta David (Keir Dullea) em “2001, Uma Odisséia no Espaço”.
Para as mocinhas que se babaram com Christophe Reeve amando no passado Jane Seymour em “Somewhere in Time”(Em Algum Lugar do Passado), o novo filme procede. Desta vez a mulher não fica enciumada quando o marido viaja. Ela sabe que ele está noutra época, e o que vem de baixo não lhe atinge (difícil ele vir de cima, ou seja, do futuro). Mas no vai-e-vem temporal chega a época em que a morte pede presença. E numa das aparições Henry está ofegante, com uma bala no lombo. A filha sabe que o pai vai morrer. Mas nem ela nem a mãe sabem que ele pode voltar, como de fato volta em campo aberto, ajudado pela paisagem a dizer que o seu amor é eterno.
Faltou só uma canção para dar ao filme um lugar no peito das/dos românticas sobreviventes.
Stephen Hawkins escreveu que o tempo, como dimensão, é passível de ser percorrido por partículas. H.G.Wells não chutou à toa em “The Time Machine”. Mas nessa idéia de usar o tempo como Cupido eu ainda voto no Tyrone Power de “Jamais te Esquecerei”(The House in the Square), o substituto do avô em certo período da vida deste, conhecendo uma prima (do avô), Ann Blyth, que na sua atualidade (1953) não sabia sequer se havia existido. Quando volta ao seu tempo, o personagem procura indícios da moça (que naturalmente aprendeu a amar). Encontra no cemitério. Ela morrera logo depois que ele a deixou. Este filme, dirigido por Roy Baker, mexeu com a minha memória. Vi 2 vezes, a última no finado Cine Íris(Reduto). Usava o preto e branco no presente e o colorido no passado. Nunca mais vi. Nem em TV, nem em VHS, muito menos em DVD.
O romance em “Te Amarei...” fica diluído não só na idéia como-e principalmente-no tratamento dessa idéia. Os tipos ganham com atores bons, mas perdem no fracionamento da ação e nos furos de continuidade. Misturando “sci-fi” e melodrama, resta um híbrido. Tudo bem que é sempre curioso. Mas não emociona. E a emoção é solicitada pelo texto. A mão pesada do diretor é que entornou o caldo. (Pedro Veriano)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

ET SEM TELFONE

Os discos voadores estão se contaminando com as maracutaias terrestres. Em “Distrito 9”(District 9) um deles cai em Joannensburgo e derrama um bando de crustáceos bípedes, logo segregados em um gueto a quem os habitantes do lugar chamam de Distrito 9. Mesmo assim, há medo de um dia a nave espacial voltar e dar a sua de “guerra dos mundos”(talvez por isso não se veja nenhum telefone por perto). Quem se apossa da matéria é o telejornalista Van der Werwe, que se insere no meio dos alienígenas e na ânsia de se comunicar acha um deles chamado Christopher Johnson (isso mesmo!), um camarão que fala inglês, faz um engenhoso capaz de subverter a situação, e “contamina” o personagem de nome alemão que acaba virando um meio-cá-meio-lá.
Na história sul-africana há o Distrito 6, do tempo do “apartheid”. O nome Wickus van der Werwe chegou a ser popular antes de Mandela assumir o governo. Talvez espelhe um alemão deslocado do finado 3° Reich. A graça do roteiro ainda catapulta outros detalhes. Mas a coisa não chega a se rotular de comédia. No fim o barulho é de blockbuster standard. E não se diz que o preconceito é plenamente vencido ou vence. Peter Jackson na produção e o amigo dele Neill Blomkamp na direção não esgotam a idéia. Por sinal que eles iam fazer outro filme:”Halo”, do videogame bem vendido. Faltou financiamento. E surgiu este engodo de superprodução, ou seja, filme aparentemente caro quando não é, e de sátira política, onde a profundidade se esconde num pseudodocumentário sem muita graça.
Eu não gostei, embora tenha achado que o tema pedia coisa boa. Mas não é a primeira nem será a última vez que se joga no vaso sanitário boa idéia. Por isso os canos andam entupidos na industria cinematográfica internacional. (PV);

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

PIADAS DE QUINTAL

Uma das piadas machistas mais infames é aquela que diz que o maior erro da natureza foi botar um cérebro em cima de uma vagina. Se esta faltou no cardápio de “A Verdade Nua e Crua”(The Naked Thru) outras apareceram para avacalhar as evas. Tudo em vão, pois o avacalhador acaba se apaixonando pela colega que o combate e no fim das contas selam o filme com o beijo de sempre.
Syn de Conde me dizia que cinema, pelo menos o que ele fazia, é feito do encontro de um rapaz com uma moça, do namoro entre eles e de um vilão que aparece para atrapalhar esse namoro. Agora, com a liberdade de expressão, o, rapaz encontra garota e vão logo transar. Gerard Butler como o apresentador de TV extremamente desbocado,não chega a isso com Katherine Heigl, mas não deixa que ela esquente a cama de um rival. A novidade é que o ciúme deste Cyrano sem nariz grande é que ele patrocina o namoro da amiga para depois tirar o sarro.
Há muito eu não via um filme com desempenhos tão ruins. Miss Heigl surge como uma Sonia Mamede ou Consuelo Leandro das velhas chanchadas nacionais. Só Butler,na postura de um sujeito grosso,ajusta-se no papel. E por aí se tira a qualidade do produto dirigido por Mike Chadway, melhor saído em “Legalmente Loura”.
Haja saco!

E O OSCAR ?

E O OSCAR ?

Vi “Salvo Geral” o nosso candidato a candidato ao Oscar de filme estrangeiro. No tempo em que o Brasil toma banho de otimismo, sediando as próximas Copa do Mundo e Olimpiadas, seria até previsível que a premiação norte-americana chegasse. Mas se eu conheço a história dessa premiação, creio, sinceramente, que o filme de Sergio Rezende vai sobrar. Oxalá esteja dando uma de mau profeta. Mas não creio que os acadêmicos de Hollywood aplaudam uma espécie de “duro de matar paulista”.
O filme revela um equilíbrio artesanal de quem já possui cacife de cinema-industria. Tem explosões de carros, corridas desenfreadas, planos de multidão, coisas que dão trabalho e exigem segunda unidade de direção. E nem se fala na técnica, no esmero fotográfico, no audível som direto, na edição que sabe dar ritmo à narrativa. O problema formal esbarra apenas nos diálogos improváveis (eu sei disso, pois fui médico de presídio durante 9 anos), num roteiro sectário que pinta bons e maus de forma bem distinta embora em posições “politicamente incorretas”, e na preocupação primordial desse roteiro para com a ação, baixando a densidade temática.
Mas é no recheio do bolo que está o problema. Os filmes sobre presos geralmente optam pela deificação destes em relação ao aparato policial. Fato internacional, a lembrar, a titulo de exemplo, “Alcatraz” de Don Siegel e “A Colina dos Homens Perdidos” de Sidney Lumet. Nem vou ao “Candiru” de Hector Babenco, onde o enfoque de uma rebelião ganha foros jornalísticos. Aqui, em “Salve Geral”, inspirado no levante da PCC em 2006, uma guerra que abalou S. Paulo, o gancho é a mãe recém-viuva que vê o único filho detido e tudo faz para libertá-lo. Nesse tudo está o contato com a cadeia, a vez de advogada que ela é e nunca exerceu, um atendimento ao sexo que não parece muito crível (ela resiste fumar, beber, cheirar droga mas não resiste a um prisioneiro que, em tese, seria contatado pelo prestigio que possui na prisão), e um modo de ficar com o dinheiro da gang interna (do presídio) e com isso pagar a liberdade do garoto molhando (melhor diria “afogando”) as mãos dos guardas.
Os detentos são vistos como pessoas esquecidas da sociedade e dos governantes. Numa hora um deles consegue sair da cela (com uma facilidade impressionante, pois não se vê um só guarda nos corredores anexos) e fazer um discurso sobre movimento revolucionário. Noutra, os chefes do PCC, que no filme ganha o nome de “partido”, é contatado pela direção do presídio que com isso pretende formular um pacto de não agressão (nessa altura a cidade está pegando fogo). Como essa gente “conferencia” com as autoridades, esbanjando ironia (para não dizer cinismo), é o xeque-mate na reposição dos heróis e vilões (bandidos são heróis, policiais são vilões). O fator tempo é desprezado na constante alternância de seqüências em que se vê coquetéis molotov explodindo nos bairros paulistanos e o “papo” com os chefões se arrastando em mesa.A conclusão que se tira, até pelo fato do acordo dar certo, é que realmente os homens atrás das grades possuem razões que a razão (ou a lei) desconhece. Completando o quadro, a mãe consegue libertar o filho, embora não se saiba até quando. O filme termina com o abraço materno, a lágrima filial, os dois seguindo de carro estrada afora. E o currículo deles já engrossa com duas mortes para ele e uma para ela.
Há desempenhos que impressionam. Denise Weinberg como uma advogada corrupta que arma a revolta dos presos (ou ajuda a isso) aponta bem a sua autoridade nas falas impressivas e na máscara correspondente. Quando ela ataca a amiga (Andréa Beltrão esforçada num papel esquemático), sabendo que esta deseja apenas libertar o filho, não hesitando em se apropriar da verba que daria outro andamento ao plano dos revoltosos, a cena é de filme de terror norte-americano (ela passando um garrote na comparsa e só não consumindo o enforcamento porque esta tira do bolso um revolver e atira). Por sinal eu saio do parêntesis e pergunto: como uma modesta professora de piano, aparentemente pacifica, sabe manejar arma com tanta desenvoltura ? Como uma pistola fica engatilhada no bolso da saia de quem, em tese, não é de atirar ?
O roteiro está cheio de licenças dramáticas. Mas tudo é perdoado quando a clareza do objetivo é bem defendida. Não é o caso. No geral, “Salve Geral” é um “divertissement”, um “blockbuster” falado em português. Com isso eu penso que os sócios da Academia de Hollywood vão cair de amores por concorrentes mais exóticos, mais distantes dos modelos que eles usam e abusam. Se premiarem um exemplar latino de uma formula anglo-saxã as coisas estão mesmo mudadas. Será que o filme vai faturar prêmio porque é a da terra governada por Lula, o nosso Polyano(ou Frank Capra)?....