quinta-feira, 26 de abril de 2012

Alexandrino

Meu amigo Alexandrino Moreira estaria festejando mais um ano de vida no dia 29 deste mês (abril). Deixou o cenário, mas o seu filho Marco Antonio está colocando na pauta do seu cineclube, no IAP, o último filme que o AGM (o G é de Gonçalves) viu: “Rastros do Ódio”de John Ford, Por sinal um dos preferidos do assíduo cinéfilo. Alexandrino fora projecionista na juventude, locutor de rádio falando de cinema, agente de artistas de rádio e teatro (e chanchadas) tudo na sua terra natal Itaúna (MG). Em Belém tornou-se banqueiro. E exibidor de filmes. Criou os cinemas 1,2, 3 e a locadora Cinema 4. Via de tudo, mantendo uma coluna, nomeando as estreias da semana, em “O Liberal”. Foi peça indispensável do Cineclube APCC e fazia parte da associação de críticos votando todos os anos nos melhores filmes & técnicos. Hoje, vendo as estrelas que antes via nas telas, é alvo das lembranças de tantos que o admiraram. Eu o encontrava quase que diariamente no escritório do Cinema 1, conversando sobre o que desse em cinema. Belém parecia mais afável e eu podia circular no meu fusca em dias de semana. Hoje só saio de carro aos sábados e domingos. A cidade não é mais a que conheci desde o berço e muitos amigos já a abandonaram. AGM vivia cinema. Gostava dos filmes de Raoul Walsh, de John Ford, de muito da velha guarda norte-americana afinal o que era servido a nós, espectadores brasileiros, no tempo em que TV era luxo ou ficção cientifica. Quando a coisa extrapolava para um cenário de Ray Bradbury ele dizia que “não será pro meu tempo”. Com razão. Na era digital a gente vê mais do que o telescópio Hubble. Penso no bando de amigos da velha guarda que ainda recusam o computador (como Maiolino Miranda e Acyr Castro). Eu fui o primeiro a aderir à nova tecnologia. Luzia veio depois e hoje me ensina coisas que surgiram e eu não acertei o passo para alcançá-las. Enfim o rastro da lembrança do AGM está sendo projetado. Vai ver que é ele quem surge quando abre a porta e o aposento escuro deixa entrar a luz com a silhueta de John Wayne.A luz da memória, de um tempo, de um prazer que se sentia renovado à cada projeção. Não era rastro de ódio porra nenhuma: era (e é) rastro de amor.

domingo, 22 de abril de 2012

Olimpia nota 100

Creio que a minha primeira visita ao Olímpia foi para ver “O Mágico de Oz”. Antes tinha ido ao Iracema ver “Branca de Neve e os 7 Anões”(onde preferi espiar da sala de espera levantando a cortina pois tive medo da fantasmagoria Disney na escuridão) e ao Moderno ver um filme de guerra onde aviões de combate pareciam aves desgarradas (seria o célebre “Anjos do Inferno”de Howard Hughes ?).
Por morar na S.Jeronimo (hoje José Malcher), entre Dr. Moraes e Benjamin, ir ao Olímpia era andar menos. O único cinema que atingia a pé. Via de regra comprava bala (ou bombom) de menta (chamado Pipper) e sentava na 4ª.fila, lado direito de quem entra, perto do corredor lateral. Não perdia as matinais de domingo. E nos chamados dias úteis ia à sessão das 15 horas, exceto aos sábados, quando preferia a Vesperal Passatempo de 17 h. Procurava evitar as vesperais de domingo, e era estranho pois a sessão ganhava apoio dos estudantes e era onde se namorava além do permitido pela censura castradora.
Rir do Gordo e o Magro, de Carlitos (especialmente de “Tempos Modernos”), de Harold Lloyd, de algumas “screw Ball” era comum. Chorar talvez fosse mais difícil. Mas chorei, embora não lembre de lágrimas derramadas quando garoto. Parece que desentupi o canal lacrimal com a maturidade, achando triste o fim de Gelsomina em “La Strada”, de Cabiria na mesma onda, da surda-muda Belinda, sei mais de quantas personagens que sofriam na tela(a maioria mulher).
Certo: “A Felicidade Não se Compra” não estreou na casa centenária do Largo da Polvora. Foi no Moderno (Largo de Nazaré). Mas “2001” foi no Olimpia. A ficção cientifica que elegi desde bem pequeno como gênero favorito, atracou ali muitas vezes: “Destino à Lua”, “A Conquista do Espaço”, “O Monstro Magnético”,”O Homem do Planeta X”, “Planeta Vermelho”, até chegar a “Planeta dos Macacos” e coisas coloridas e esticadas(scope).
Hoje, 24 de abril de 2012, o Olímpia(que eu teimo em escrever com “i”, como escrevia ao longo dos anos), comemora o seu centenário. Escrevem “o primeiro centenário”. Benditos profetas. Oxalá eu ainda veja mais anos acima desses cem. E tenha a graça de encontrar mais filmes inéditos, projetados em película. Sim, pois a projeção digital no caso só em data show.
Parabéns Olimpia. Tomo fôlego e sopro suas cem velas.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Lições do Meio do Mato

Em 1948 Belém foi sacudida por um fato que daria um filme: desapareceu nas matas do Guaporé um tenente que chefiava um grupo militar encarregado de abrir uma estrada na região. O nome dele era Fernando. Muita matéria saiu publicada nos jornais cobrindo as buscas realizadas nas imediações. Um irmão de Fernando, de patente mais elevada, presidiu um ataque a índios que supostamente teriam sequestrado o seu parente próximo. Mas surgiram lendas como o desaparecido ter sido encantado pelo canto do Uirapuru. E mais: que estava na taba de uma tribo chamada Boca Negra. O assunto deu até 3 marchas de carnaval. Isso eu acompanhei com o entusiasmo que acompanhava histórias em quadrinho, seriados de aventuras, e romances da coleção Terramarear.
O interesse pelos mistérios de nossa mata levou-me a acompanhar, também, alguma coisa da expedição Roncador – Xingu com o destaque para os irmãos Villas Boas. Hoje vejo um filme sério sobre esses personagens.
O diretor paulista Cao Hamburger conseguiu dar um toque de documentário ao que fez, lembrando o melhor de um Henry Hathaway nos anos 40. E o trio de interpretes ficou até parecido com Leonardo, Cláudio e Orlando Villas Boas.
Não é um filme definitivo sobre o assunto. Há pressa em contar o máximo. Só o primeiro contato daria um longa-metragem. Mas “Xingu”(Brasil/2012) cobre várias tarefas dos manos, acabando com a criação da reserva que apesar de ser ambicionada por pecuaristas, seringalistas e aventureiros de diversas classes, ainda é o refugio dos donos da terra(ou nascidos na terra pois os indígenas, não só no Brasil, sofreram o diabo desde que o branco chegou aos seus domínios).
Luzia escreveu sobre o filme, mas a analise dela só pode ser lida convenientemente em seu blog. No jornal a coluna foi subtraída como acontece quase sempre. Eu, veterano nesse tom, reparo como hoje se diminui espaço critico dedicado a cinema. Parece que é assunto para poucos, coisa que não seduz leitores. Será que é mesmo? No meu tempo de critico diário em jornal só ouvia reclamação quando o meu texto parecia muito cerebral ao editor (“Lembra que tu escreves para o leitor e não para iniciados”). Mas a reclamação não era procedida de subtração. E não creio que cinema esteja deixando espaço só por exigência de comerciais. Há muita transcrição de jornais do sudeste absolutamente desnecessária. A “cor local” devia ter primazia. Por sinal que devagarzinho perdemos a nossa identidade cultural. Vejam só: papagaio é pipa, gerimú é abobora, ananás é abacaxi, vesperal é matinê, tu é você, e assim por diante. O curioso é que o homem do povo já está assimilando o vocabulário lá de baixo. Podem achar bonito a integração cultural, mas eu prezo minha origem e acho que devia ser justamente o contrário:devia se prestigiar nichos regionais demonstrando a grandiosidade física do país.
Os Villas Boas acharam bem que o índio não devia ser integrado ao mundo dos brancos: devia ser respeitado em seu “habitat” com o seu modo de viver. Uma lição de quem sabe das coisas.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Cinema em casa

Rapidamente o que tenho visto em DVD.
“Minha Vida sem Minhas Mães” chega da Finlândia (e Suécia) contando o drama de um menino que a mãe, finlandesa manda para a Suécia quando a guerra mundial se aproxima de seu reduto. Na Suécia ele em principio sofre a aversão da dona da casa onde vai morar, apaixonada pela morte da filha de 8 anos. Mas o sentimento é revertido quando a mãe biológica manda dizer por carta que não pode ficar com o menino e que a adotiva se ate com ele. O garoto sofre, a nova mãe se compadece. Mas as coisas vão mudar com o fim da guerra. Só que sentimentos independem de fatores extramente frios como o cenário político evocado pela mãe biológica. Tema de um romance que daria um dramalhão de usar toalha (lenço seria pouco), Mas o diretor Kalus Härd dá a volta por cima com atores magníficos, especialmente Toppi Majenemi que faz o garoto Eero. Por sinal que outra criança fez a festa em outro filme sensível: “A Árvore”, australiano de Julie Bertucceli, É a menina Morgana Davies que faz Simione, garota de 9 anos que não se conforma com a falta do pai, morto ao dirigir um carro em que ela viajava e acha que ele encarnou numa árvore defronte de sua casa. A mãe, desesperada com a morte súbita do jovem marido, também embarca nessa ideia. As duas falam com o espírito que está entre os galhos. Mas a mãe não demora a achar um namorado e a menina, sempre fiel, à memória paterna, só aceita um novo cenário quando um furacão abate a arvore. Roteiro também extraído de romance e filme também enxuto a ponto de não provocar conjuntivite. Em suma: material de primeira qualidade.
“Nosso Dia Chegará” marca a estreia na direção de mais um membro da família Gavras (filhos de Costa-Gavras): Romain. Trata de um jovem que se decepciona quando sabe que a namorada da internet é homem e que viaja com uma espécie de tutor estrada afora para se afirmar noutro campo. O que se vê é trágico e o fim é simbólico: as duas personagens embarcam num balão voando para longe do insensato mundo.Ou da vida pois não há chance de aterrissar. Bons desempenhos não invalidam que se pense num argumento confuso. Há de se buscar um espaço edênico, mas há que ter pés no chão. O voo final parece querer dizer que é justamente isso: incapacidade de ter os pés no chão. Bom trabalho de Vicent Cassel.
“Passageiros”(Passengers) imita “Os Outros”. Psicóloga(Anne Hathaway) é encarregada de fazer terapia de grupo com sobreviventes de um desastre de aviação. Acaba namorando um deles. Mas através dele ela sabe que todo mundo morreu. Ela inclusive. Roteiro de Ronnie Christensen ,o primeiro que este cidadão faz para cinema. Direção de Rodrigo Garcia, filho do nobelizado Garcia Marquez.Pensa-se que mortos estão os autores.
“Duas Mulheres”rima com “Separação”na vista de sofridas iranianas. Aqui são colegas que seguem destinos bem diversos. A mais inteligente é perseguida por um bruto e casa, obrigada pelo pai, com outro. Tem filhos e sofre mais do que sovaco de aleijado. Quando reencontra a colega é para contar um destino cheio de violência e castração de seus ideais. Foi sucesso em Teerã. Uma porrada com luva de pelica na cultura machista e extremamente religiosa de lá.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Separação

“A Separação”(Jodaeiye Nader az Simin) foi o justo vencedor do Oscar para filme estrangeiro. Em se tratando o Irã, país teocrático, espanta por mostrar uma liberdade de expressão incomum. Quando a mulher se prepara para viajar o marido alega a doença do pai e a rusga encaminha o casal ao divorcio. Enquanto se discute os direitos das partes ele, marido, contrata uma empregada para tomar conta do velho doente. Só que a empregada assume o cargo sem dizer ao marido dela. E está gestante. Um acidente faz com que aborte e culpe o patrão (que a teria empurrado numa escada). O caso vai parar no tribunal. E a esposa que já saíra de casa reaparece para ver o circo pegar fogo. Ela quer ao menos que a filha do casal se decida por sua guarda (estava com o pai). Mas o filme termina com a garota falando ao juiz, sem que a objetiva (e nós espectadores, obviamente) tenham ingresso à essa conversa.
No caso de um filme de autor como este, de Asghar Farhadi, tudo deve funcionar. E funciona. O espectador parece estar diante de um documentário legal. E nele se insere elementos culturais específicos. A religião é evocada pelo marido da empregada, por ela e até mesmo pelo casal que se está separando. Os pecados diante de Alá ficam, aos olhos de quem está no cinema, sem culpados específicos. Quem é responsável pela situação dramática que envolve pelo menos 5 personagens (marido,mulher, filha,empregada, marido da empregada)? Todos têm as suas razões e o roteiro prudentemente não fecha. O filme é um questionamento. E pode ganhar foros estrangeiros se descontadas posturas especificas levantadas pela serviçal que acaba sendo alvo de reclamos violentos do esposo. Separar, na receita iraniana, é doer.E na linguagem cinematográfica especifica é ao mesmo tempo riqueza e modéstia, um exemplo de como fazer cinema sem efeitos especiais e sem gastar muito.