domingo, 26 de setembro de 2010

TERMOMETRO DA AMBIÇÃO

“Wall Street, O Dinheiro Nunca Dorme”(Wall Street Money Never Sleeps/EUA,2010)é a continuação de um filme de 1987 em que se discutia o papel dos homens de negócios numa grande economia. Na verdade os filmes repousam na porfia engendrada pela ambição. “Quanto mais se tem mais se quer” é a formula. E numa só palavra: ganância. É o que diz o anti-herói Gordon Gekko (Michael Douglas), preso por 5 anos a partir do primeiro enfoque, que, ao sair da cadeia, no início da primeira seqüência da nova produção ora em cartaz, é um zero no mercado de ações, ganhando o portão do presídio sem que apareça uma só alma para buscá-lo.
Gekko é odiado pela única filha, Winnie(Carey Mulligan) desde que morreu o irmão dela vitimado pelo uso de drogas (a mãe deixou o lar depois disso). Não há um imediato reencontro com o pai. Surge para fazer a aproximação dos dois o jovem Jacob Moore(Shia LeBeouf), corretor de bolsa criado para isso por um mentor veterano,Louis Zabel(Frank Langhella). Ele é o noivo de Winnie. Mas o aprendizado desse moço é torpedeado pelo suicídio de Zabel, ocasionado pelas tramóias de Bretton Jones(Josh Brolin) um especulador que não hesita em prejudicar quem esteja na mira de seus negócios.É fatal o encontro do rapaz com o futuro sogro –e a “contaminação” pela ânsia de poder, fazendo jus a uma frase de Gekko:”O dinheiro não é tudo:importante é o tempo”.
Se você tirar alguma “lição” do roteiro escrito pelo próprio diretor, Oliver Stone(um cineasta controvertido, homem de esquerda que ultimamente está exagerando ao apoiar o venezuelano Hugo Chavez), é de que a anatomia da ambição leva à uma doença incurável. Ou melhor: para se tentar curar é preciso abdicar, ou melhor, perder alguma coisa em troca. Mesmo assim, no final só é púnico radicalmente Bretton Jones. O trambiqueiro Gekko, que rouba até a própria filha (e ela dá o troco), não parece “pobre” ao reaparecer diante dela pedindo que se não o perdoar pelo menos o ature. E o argumento é dinheiro em sua conta. Dinheiro que ele botou num banco suíço enquanto estava preso. Que dizer: o ladrão esperto rouba até quando está atrás das grades...
Mas o interessante de “Wall Street, O Dinheiro não Dorme” é um resumo da etiologia da recente crise econômica que partiu dos EUA em 2008. A mãe de Bretton Jones(Susan Saradon ) seve de exemplo. Ela compra e vende casas sem caixa para tanto. Compra devendo, vende o que não é seu. Resultado: a conta acaba nas instituições financeiras e estas, de tanto reembolsar títulos, acaba falindo. Entra o governo para o sistema capitalista prosseguir (sem essa ajuda os bancos quebram). E começa a bolha, um termo para a evasão que escorre pelo mundo afora.
O problema econômico aconteceu (e ainda tem resquícios). Nós, brasileiros, não sofremos tanto por estarmos bem embasados. O nosso país é até citado no filme como uma boa fonte de aplicação. Mas o mundo capitalista estremeceu. O tipo interpretado pelo veteraníssimo Eli Wallach (95 anos a completar no próximo dezembro) lembra o que aconteceu em 1929 (o grande “crack” que dilui fortunas e só acabou com a chegada da 2ª.Guerra Mundial em 1939 quando começou a produção bélica). Felizmente as coisas não chegaram a tanto, mas o filme de Oliver Stone faz um raio-x do sistema financeiro das grandes potencias, do fascínio do dinheiro que apesar de ser qualificado como “nem tudo”,na realidade, como diz o titulo do filme, “não dorme”.
É um filme bem feito sobre ambiciosos. O diretor faz contraponto aqui e ali com crianças brincando de bolhas de sabão. As bolhas voam, encontram-se em fusão aumentando de diâmetro, mas espocam. O problema é que outras nascem. As crianças só param de brincar quando cansam. Quem não é mais criança e brinca com a fortuna material não cansa nunca. Morre pela brincadeira.

Outro filme em cartaz, “Salomon Kane, O Caçador de Demonios”(Salomon Kane/Inglaterra,2009). O roteiro vêm dos quadrinhos de Robert E, Howard e trata de um guerreiro inglês do século XVI que depois de muitas aventuras sangrentas quer redimir seus pecados morando num mosteiro e tatuando uma cruz nas costas. Mas o superior do mosteiro é franco com ele: “- Você tem de enfrentar a sua vida se quer mudar. Procure fazer o bem nos seus domínios”. Ele tenta, ajudando uma família de agricultores. Mas os agentes do mal o perseguem, e ele pensa que o diabo cobra a sua alma. Vai à luta e pelo amor de um a menina da família que o abriga é redimido.
A trama é colocada de forma esquemática, demasiadamente ingênua. Mas o aspecto plástico do filme é interessante, da fotografia aos efeitos especiais. Ponto positivo é, também, a dedicação do ator James Purefoy (da telesérie “Roma”) como o Salomon do titulo. Contudo, o tema poderia render bastante e é esvaziado na porfia por um espetáculo da linha “blockbuster”(cinema para dar dinheiro e nada mais). A redenção pela fé é diminuída num ato de ação física, como se tudo tivesse de ser conseguido pela força. Uma pena.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Romance Gay

Um ator de verdade assume qualquer personagem, que lhe dão para viver em teatro ou cinema. Hoje nem tanto, mas imagino como há 20 ou 30 anos um ator heterossexual faria força para encarnar um homo adiante de câmeras. Ainda mais pelo fato de que, nessa época, o preconceito era grande. Tão grande que atores homos eram pintados de hetero pelos estúdios. Célebres casos são os de Rock Hudson, que chegou a casar por conta da Universal Pictures sendo sempre namorado de rapazes (morreu em conseqüência da AIDS), o de Cary Grant que escondia sua vida privada das colunistas fofoqueiras, e o de Vincent Price, característico em filmes de terror ocultando seus casos com o mesmo sexo, ele que era o intelectual exigente na moldagem de um estereotipo, e muitos “bi” . Chegou a ser feito um documentário sobre os gays do cinema, exibido por aqui no finado Cinema 1.
“O Golpista do Ano”(I Love You Phillipe Morris/EUA,2009), em cartaz nos cinemas locais depois de ter sido lançado em DVD, é o caso típico da liberdade de expressão atual e da capacidade de atores reconhecidamente heteros. Trata de um caso real, o de um advogado trambiqueiro que depois de viver anos como marido exemplar, pai de duas filhas, sofre um acidente e desperta de um estado de coma assumindo a qualidade de homo. Ele começa a fazer falcatruas, é preso, e na cadeia se apaixona por um detento ligado a furtos. Daí em diante o sujeito vive para o amante, aprimorando-se nos trambiques e com isso ganhando status de milionário.
Jim Carrey e Ewan McGregor fazem os namorados. Jim ganhou fama de careteiro em comédias medíocres, mas se firmou como interprete de coisas mais sérias como “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança” e “O Show de Truman”. Ewan eu vi no mesmo dia em que revi “O Golpista...;” fazendo um garanhão que se mete numa agencia de garotas de programa através de um golpista que se diz amigo. O filme, “A Lista”(Deception/EUA,2009), não chegou aos cinemas locais. Eles se beijam ardorosamente em diversos planos do filme dirigido pela dupla John Requa e Glenn Ficarra. Muita coragem recompensada com o fracasso de bilheteria da produção. E não vamos longe: Billy Zane, intérprete de “O Fantasma”(Phantom), versão da HQ de Lee Falk, disse na TV que era gay e o filme desabou. Tinha de tudo para começar uma franquia com o herói das selvas. O próprio Zane não conseguiu mais papel estelar.
Mas o sacrifício de Carrey e McGregor também não compensou esteticamente. O filme tem um roteiro demasiadamente esquemático não sei até quando extraído de um livro escrito por Steve McVicker (este roteiro foi escrito pelos diretores). Não se constrói bem as personagens nem se dá às seqüencias de “vigarices”o tom de humor e o “timing” que existiu, por exemplo, no “Prenda-me se for Capaz”(Cath me if you can) de Steven Spielberg(biografia de um tipo semelhante ao vivido por Carrey). Chega ficar monótono o vai-e-vem do advogado preso com seu colega e bem amado, como tampouco se torna convincente o final, com o tipo se fazendo de aidético e fugindo da cadeia por isso.
Há muitos filmes de bom nível que chegam ao DVD sem passar pelas nossas telas. Elas, em Belém, apegam-se aos blockbusters para faturar. E assim mantêm seu comércio. A variedade seria um desafio e os donos do negocio não se sentem aptos a desafiar com um alto custo operacional. O caso de “O Golpista do Ano”seria uma aposta na popularidade de Carrey e na “graça” de gays carinhosos, ainda um desafio para muita gente puritana.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

TARANTINAGENS

“À Prova de Morte”(Death Proof/EUA,2007) seria o duplo de “Planeta Terror” chamado no conjunto de “Grandhouse”. Tanto um (o filme de Roberto Rodriguez que mostrava uma mulher perneta a botar uma prótese de metralhadora) como outro,a idéia é de divertir como os filmes B do tempo dos seriados de aventuras com a diferença de que agora a violência pausteriazada de antes ganha a amostragem visceral, o derrame de ketchup, de desastres digitais e de nudez feminina até que se possa fazer diferença das fitas “hardcore” donas do incômodo X de “rating” que reduz a capacidade de bilheteria.
Na métrica do diretor, mesmo numa cópia divorciada de sua companhia, com acréscimo de planos, cabe um longo papo de mulheres sobre o nada e coisa nenhuma. Também cabe o contraste rítmico que é uma perseguição de carros a la “Operação França” que dura na tela aproximadamente 20 minutos.
Contem o tempo gasto do papo à corrida. Dá mais da metade de uma projeção em que a única fonte a seguir como cinema é a desobediência a velhos cânones e ao sempre modo de se falar de filmes, de alertar ao publico que a cinematografia não é só composta de obras ligadas a escolas ou tendências e tampouco devaneios de cineastas laureados.
Tarantino é uma espécie de cicerone dos exemplares baratos que passaram anos como anônimos, repousados na forma dada pelos diretores-funcionários, gente que filmava o que se mandava filmar e procurava se eximir de desvios artesanais para uma área mais cabeça de criação artística.
O problema é que este hino ao lixo nem sempre deixa de cheirar mal. A mim enjoa. Vi este “Death Proof” em DVD e não me estimulo a revê-lo em tela grande. Não tenho mais saco para sair de casa e presenciar mumunhas de rebeldes sem causa. E não é de agora: nunca fui de prestigiar os tarantinos da vida. Voto no cinema tradicional e bem feito, no que fez a glória de Hollywood e de Cinecittá, estúdios parisienses (antes da “nouvelle vague”) , Svenfilme, Toho, o mais que tenha trabalhado para aguçar a imaginação de quem vê. Mesmo porque vejo a simples exibição de violência como uma adesão nazista. Violência em cinema ganha mais campo quando sugerida, da mesma forma que o sexo.
Para os novos eu devo ser uma peça de museu. Mas sempre fui sincero em meus comentários e os norteio pela minha sensibilidade. O cinema de Tarantino, com raras exceções (como na comédia “Bastardos Inglórios”) não é minha praia.

domingo, 5 de setembro de 2010

Neste Mundo e no Outro

Peço emprestado para a coluna de hoje o titulo do filme de Michael Powell e Emeric Pressburger que no original se chamou “A Matter of Life and Death”(Um Caso de Vida ou de Morte”), ou, nos EUA, “Stairway from Heaven”(Escada do Céu). É o que posso usar como referencia a “Nosso Lar”(Brasil,2010) uma das estréias da semana nas salas de cinema comercial. Neste filme dirigido por Wagner Assis de um livro escrito por Chico Xavier,está a concepção da vida após a morte segundo os que professam a doutrina espírita.Impossível desligar as imagens do que escreveu entre 1304-1321 o poeta italiano Dante Alighieri em “A Divina Comédia” (o nome original foi “Commedia” ficando o “Divina” por conta de Boccaccio em alusão ao aspecto metafísico). Só que os tercetos(a série de versos) que definem Inferno, Purgatório e Paraíso, etapas que o poeta percorreu atrás de sua querida Beatrice, não ganham, no caso, uma linguagem cinematográfica acima do elementar. Aliás não há Inferno na concepção de “Nosso Lar”. Um quadro semelhante ao Purgatório é mostrado da mesma forma que se viu no filme “Amor Além da Vida”(What Dreams May Come/1998) de Vicent Ward de uma história de Richard Matheson (autor consagrado em ficção - cientifica):almas penam em um mar de lodo, pedindo ajuda a quem passa (como Dante ao navegar no barco de Caronte).O Paraíso é que apresenta diferenças. Mas o que interessa na analise do filme brasileiro em cartaz é o aproveitamento da idéia (argumento) em linguagem cinematográfica. Deixa a desejar não só a direção de arte, que impregna uma arquitetura “futurista” (até com o uso de laptops e ônibus voadores) a lembrar parte do que fazia o inglês William Cameron Menzies em “Daqui a Cem Anos”(Things to Come),como a pressa com que Wagner Assis trabalha as seqüências (a exemplo da visão da família de Andre Luis, coincidentemente reunida quando vista por seu espírito) e principalmente na estrutura das personagens, todas muito esquemáticas, dizendo e fazendo o que se pede no enquadramento (nenhuma chance de estudo dos tipos).
Mas o filme certamente foi feito para um determinado publico e este publico bateu palmas no final da sessão em que eu estive. Volto a frisar que meu comentário não é de critica à concepção religiosa ou filosófica do original. Trato de cinema. E penso que “Nosso Lar”poderia agradar a não-espiritas como agradou “Neste Mundo e no Outro”(não “Amor Além da Vida” que só valeu pelo “décor”, a lembrar várias escolas de pintura). Ali, os autores privilegiavam a sátira sem desrespeitar credos. Tarefa difícil, mas cumprida. O filme, para quem quer saber, foi feito em 1946 e exibido pela ultima vez, no Brasil,em um canal de TV paga há cinco anos. Foi remasterizado por Martin Scorsese e pode chegar um dia ao DVD nacional.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O SENHOR NINGUÉM

Acho Jacon Van Dormael o cineasta mais criativo desses últimos anos. Já tinha na minha cabeceira seus filmes “O Homem de 2 Vias”(Toto Le Hero) e “O Oitavo Dia”(L’Huitiéme Jour). Agora coloco também “Sr. Ninguém”(Mr. Nobody), obra-prima que os nossos distribuidores ainda não adquiriram para exibir nos cinemas brasileiros.
O argumento parte de um homem centenário que fala a seu médico e a um jornalista. Sua fama não é só de ser um centenário. Em 2089 ele é o último mortal na Terra. Nesse tempo que para nós é futuro, descobriu-se um meio de preservar as células, evitando o envelhecimento, e as pessoas estão curiosas em saber como é que se....morria.

Nemo, ou como ele se diz, Nobody(Ninguém) tem falhas de memória e o seu relato é fragmentado. Nisso entra a Teoria das Cordas e a faculdade da opção. Se o universo que conhecemos é um dentre vários em dimensões diversas, as vidas podem ser paralelas. Uma realidade segue outra. E jogando para um prisma filosófico, a pessoa tem de optar pelo destino que lhe oferecem. No caso de Nemo, em criança ele é convidado a ficar com o pai ou com a mãe que se separam. Mostra-se o então menino correndo atrás de um trem que leva sua mãe. Trilhos de ferrovia servem em várias seqüências como ramais a seguir. Se ele for viver com a mãe as coisas acontecem como se vê na maior parte do filme. Se com o pai, um ligeiro interregno dá a idéia de outro comportamento. Da mesma forma vê-se 3 meninas colegas de infância. Ele cumprimenta uma a uma. Todas poderão ser suas mulheres. Mas a quem realmente ele ama ? A que o despreza por outro, a que é filha do segundo marido da mãe ou uma asiática que ele lembra salvando-o de afogamento numa piscina?

Os detalhes são tantos que não se esgotam numa visão do filme. Mas o que importa é a chave temática. O longevo pode ser feliz se amou e foi amado. Longe disso é um “ninguém”que a morte esqueceu.
Gente, o filme é extraordinário. A riqueza do tema salta na correspondência de estilo. Tudo é motivo não só de visão como de admiração. Dormael é belga, tem 53 anos, e consegue fazer uma produção cara e criativa. Muitos esbarram nas dific