segunda-feira, 26 de março de 2012

As Mocinha de Ontem

Eu ensaiava os passos da adolescência quando ouvia duas moças que botavam os pés na incomoda maturidade conversando sobre o que iam ver, ou viram, no cinema Olimpia. Falavam de Rebeca, “a mulher inesquecível”, de romances que para elas traduziam em imagens o que liam na Coleção Azul capitaneada por M.Delly e Max Du Veuzit ou ainda ouviam na voz de Orlando Silva. Eram minha dindinha Odete e a vizinha Elyta. Ambas viveram na virgindade sem abraçarem noviciado ou serem evitadas pelos mancebos românticos por culpa de baixos pendores físicos. Simplesmente escaparam dos galanteios e engavetaram o sexo.
Odete teve namorado. Não sei como o namoro terminou. Em minha casa havia um rigor estranho, não era puritanismo por parte de minha mãe, mas uma notória dependência de parente/amiga que lhe ajudasse nos pequenos afazeres domésticos. Foi-se aos 70 quando ainda parecia ter forças para manter uma rotina que não respeitava idade.
Elyta eu pouco via. Não sei se quis imitar alguma heroína das telas ou páginas. Envelheceu na companhia de seus próximos. Morreu recentemente,arranhando o centenário.
Essas figuras do passado ficaram em minha memória como silhuetas de um período em que Belém tinha ruas calçadas por paralelepípedos, trilhos de bonde e consequente calma. Tanta que ladrão era de coradouro e se podia andar nas ruas nem sempre bem iluminadas quando o sol já estava preparando a luminosidade do dia.
Não sinto saudade deste passado. Ainda bem. Procuro cultuar o presente antes que eu, sim, me passe. Mas a partida de figuras da infância gera a noção do tempo na carne e nos ossos.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Cinderelas sem Sapatos

Eu ouvia e lia, nos anos que dobraram a esquina, interpretações digna dos manos Grimm sobre o romance do rei inglês Edward VIII com a norte-americana casada Wallis Simpson. O monarca chegou a renunciar o trono pela donzela que na época ainda era esposa de um militar, Ernst Aldrich Simpson, por sinal o segundo marido dela (o primeiro foi Earln Winfield Spencer Jr, ex-capitão do regimento Coldstream Guards). Entre os dois maridos Wallis conheceu Edward em Londres. Na época a censura vinda do palácio de Buckinham adestrada pela igreja condenava tudo. Mas o jovem monarca inglês parece que tinha visto o titulo em portugues daquele filme com Errol Flynn,”Meu Reino por um Amor”. E despachou Ernst que não podia reclamar uma vontade nobre. Nesse tempo dizia-se também que o casal casado contra a maré foi feliz como Branca de Neve e/ou Cinderela.
Chega “W.E.”, o filme de Madonna, e mostra que nem tudo foi florido ou colorido no “affair” real. Diz até que os amantes estavam com os pés no divorcio quando, em 1972,ele se foi. Contando isso numa ótica feminista Madonna faz contraponto com uma Wallis de Nova York século XXI e neste caso uma esposa de médico saco de porrada e guinada a um leão de chacara russo. Em montagem paralela vê-se as duas mulheres nas suas crises que passam da alcova para as salas reais.
Há muita coisa boa no filme. O travelling para cima de uma arvore quando Edward (que na intimidade era chamado David) conta à amada a sua decisão de deixar a coroa, passando dos galhos altos para o teto decorado de uma dependencia do palácio real onde se fala mal dele, é muito curioso. E há um leilão dos bens do chamado Duque de Windsor onde a montagem abre espaço no tempo e se vê os donos das reliquias expostas. Tudo no compasso dinâmico de permanencia da imagem em foco. Compensando há uma caminhada da moça moderna por ruas alagadas que ficariam melhor na sala de corte. E tantas e tantas filiogranas inuteis que aumentam o tempo de projeção aom limite da paciência.
Mesmo com seus tropeços “W.E.” vale o ingresso. A mim valeu ate o taxi para o cinema ja que meu fusca não anda dia de semana posto que o transito é impróprio para menores. Melhor mesmo do que vi antes, perto de casa, fiando-me na ficção cientifica que desejava conhecer de Edard Rice Burroughs e no talento do diretor Andrew Stanton desmonstrado em “Wall E”: “John Carter”. Ali tanbém se toca em princesa entre amor e casamento forçado. Mas que saco! Mais de duas horas de CGI e mesmices. Ali o caso foi impróprio para maiores...

terça-feira, 13 de março de 2012

Cinema Para Dormir

Dois filmes que eu vi recentemente pecam pelo excesso: “Sempre Bela” e “Transeunte”. O primeiro é dirigido por Manoel de Oliveira, o mais idoso cineasta que se conhece (fará 102 anos em dezembro). Voltando-se aos personagens de “A Bela da Tarde” de Buñuel faz um trocadilho no titulo: “Belle Toujour”para “Belle de Jour”. Aqui, Severine, que foi Catherine Deneuve, é encontrada por Henri (Michel Piccoli) passeando solitária em Paris. Ele quer rever um romance que não chegou a se realizar. Acha que Severine(Bulle Ogier) prossegue na sua beleza e acha caminho para um reencontro não apenas de “alô”. Idéia interessante mas a narrativa é assim: Henri vê Severine no teatro, gasta uns dez minutos de filme para chegar a um bar, outros dez para ir ao hotel onde ela está hospedada, e os minutos restantes num papo com ela sobre um passado que não se firma como continuação da obra de Buñuel e Carriére(Jean Claude). Haja paciência!
Em “Transeunte” Erik Rocha filma o único ator andando pelas ruas do Rio até cansar. Não ele, um sessentão de boa saúde: o espectador. Abordando a chegada da velhice e a solidão que se avizinha de um homem solteiro, sozinho em casa, contando apenas com uma sobrinha que lhe aparece no aniversário para um bolo barato e uma vela. O tema já esteve em filmes marcantes, de “Umberto D” aos argentinos como “A Janela”(La Ventana)de Carlo Sorin. Aqui se intensifica o realismo com closes e câmera na mão (ou demasiadamente fixa). É bonito, mas cansa. Os dois filmes me convidaram ao sono. Agradeço-lhes. O de Manezinho Oliveira é muito chato. O de Rocha é intoxicado de imagens que se cortadas ganharia bastante.
Moral da história: em sessão caseira, de noite, ver cinema monótono é salutar. Dorme-se bem. Quem é viciado em fármacos sedativos cura o vicio. Quem não se cansa com cinema de autor prova o seu pendor de monge chinês.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Brick Bradford

Quando eu era criança entusiasmava-me com os quadrinhos de Brick Bradford, Decorei o nome dos autores, William Ritt e Clarence Gray. No Gibi o nome do herói era Dick James por conta da rivalidade que existiu entre Roberto Marinho(de “O Globo”) e Adolfo Aizen (de “Suplemento Juvenil”,depois EBAL). Idéias como a porta de cristal com base no dito “o que entra por um lado sai pelo outro” e uma viagem a lua através dessa porta encontrando fugitivos da 2ª.Guerra me fascinavam. Em 1950, quando eu fui ao Rio pela primeira vez, soube que o seriado desse herói estava passando. Andei quilômetros para ver um episódio num pulgueiro chamado Pirajá (correto: pira já). Desconfiei da lua com a cara do cenário de faroeste da Columbia. E todo mundo passeando por lá como se existisse ar respirável e gravidade igual a nossa. Mas era a maravilha do Bradford na tela. E pulei de alegria quando a série foi anunciada para as vesperais de sábado de tardinha no Olímpia.
Nunca pensei que eu fosse,um dia, rever o filme. A produção era de Sam Katzman, o rei das C-Pictures e a direção da dupla “pau pra toda obra” Spencer Bennett e Thomas Carr. Pois comprei dois DVDs dessa modestíssima produção. E minha memória quase pula das circunvoluções cerebrais. Que droga ô meu! Como eu fui gostar “daquilo”?
Mas não acabei triste. Percebi que nos 15 episódios estava a alma do cinema mendigo, da expressão mais simples de narrar com imagens.
Há dezenas de seqüências iguais, com bandidos pegando carro perseguidos pelo herói, derrubando este e sendo derrubados em seguida. Tudo com roupa de passeio. Aliás, Brick e Sandy, os donos da festa, estão sempre de “manga de camisa”. E não tiram a roupa durante toda a série, denunciando a precariedade do vestuário da Columbia. Nesta pobreza geral salta a ingenuidade que derrete as idéias dos quadrinhistas. Começa com a porta de cristal que mal se vê. E tem o “pião do tempo” que só aparece de frente em animação e só viaja para uma selva que envergonharia Johny Weissmuller(estaria mais para a franquia de Bomba(Johnny Sheffield, ator que fazia o “Boy” do Tarzan na MGM/RKO, realmente uma bomba).
Hoje se faz cinema de mendigo com aparato em que vale até CGI. É luxo dizer que um Quentin Tarantino faz cinema B. quando,na verdade, o pessoal que filma agora cresceu vendo o que Sam Katzman produzia aos quilos e quer imitar de longe. Ali estava a privada de Hollywood.Nos novos bês está um simples lavabo. E o que me pareceu curioso na revisão de “Brick Bradford” foi o fato dos atores parecerem estar se divertindo. Kane Richmon e Rick Vallin riem adoidados. E a mocinha, Linda Leighton(eu pensava que ela se chamava Linda Johnson) é feia pacas. E não ri. Como o “dr Timak”, cientista padrão dos comics, mostra-se obeso e sem graça na pele do ator John Merton. Valeu, portanto, situar minhas lembranças exclusivamente na história do cinema, no que se fazia para a garotada consumir chupando bombons (não existia a mania de pipoca).
Os quadrinhos de Ritt e Gray ainda hoje me impressionam. Em 1935 eles publicaram a história de uma viagem ao interior de uma moeda, ou seja, de um átomo de cobre. Os elétrons eram planetas e o núcleo o sol. Nesse tempo seguia-se o modelo atomico de Rutherford. E a imaginação dos artistas via universos nani . Pena é que o cinema atual, de grandes recursos, prefira as historias recentes em que a ação sai por baixo da imaginação. Não era assim com Brick Bradford. Nem era assim no seriado nanico de 1948.

Programação Indecifrável

Quando eu dirigi, ou melhor, levei nas costas, o Cine Clube APCC, fui exibidor. Contatava as distribuidoras de filmes, sejam as sedes nacionais no Rio ou S.Paulo, seja filial de Recife. Fazia borderôs, cumpria esquemas determinados pelas entidades protetoras do cinema nacional e até embarcava na galera da censura (uma peste dos anos de chumbo). Por ter aprendido as manhas dessa especialidade cinematográfica desconfio do que se passa hoje quando se tira de cartaz filme que está faturando bem e se privilegia merdas que estão recebendo o devido troco da platéia.
Não entendi como se tirou das salas dos dois principais shopping de Belém o filme “A Invenção de Hugo Cabret”. Minha filha foi tentar ver a cópia anunciada numa sala da rede Cinépolis e correu para o circuito concorrente porque a lotação estava esgotada. Na outra sala sentou-se nas últimas filas porque, também, a venda de ingresso extinguia-se. Com tudo isso o ótimo trabalho de Martin Scorsese pulou fora na semana seguinte. Pode ter caído de freqüência durante a semana, mas eu duvido que coisas como “Motoqueiro Fantasma 2” ou “A Mulher de Preto” não tenham, também, caído. E o oscarizado do ano, “O Artista” deu sessões lotadas no seu primeiro fim de semana e na dobra (2ª. semana) perdeu um horário (isto se acrescentando o absurdo de ter estreado em um único cinema e só em horas noturnas). A noção que se herda é que os filmes premiados e elogiados pela critica, por mais que faturem alto, são mal vistos pela dobradinha distribuição-exibição. O “negocio” radicaliza-se: ganha tempo o espetáculo imbecil e imbecilizante na idéia de que o público que paga para ver cinema só deseja matar o tempo com espetáculos vazios, filmes que não peçam ação dos neurônios, obras que não toquem mente ou coração e simplesmente sejam....obras.
Ainda bem que os tempos modernos deram aos cinéfilos o balsamo do DVD com a vantagem de “baixar”(download) filmes preteridos pelos comerciantes (ou mercadores) do ramo. Um “A Better Life”,por exemplo, ainda nem aportou no Brasil. E o ator desse filme chegou a ser candidato a Oscar. Se bem que Oscar para o exibidor local é apenas uma estatueta dourada para fimes-cabeça. E nem cabe dizer aqui o fato de que esse tipo de “cabeça”é também oca. Mas, seja como for, é meio de propaganda do “menos ruim”.
É por isso que estou no rol dos preguiçosos, pouco saindo de casa. Tenho meu cineminha televisivo onde vejo gravações impróprias para menores mentais. Como espero não acabar no clube daquela gente de “Wall E”, os balofos do dolce-far-niente (mesmo porque permaneço magro), cansados de fazer o nada em espaço exíguo. Insisto em ir a cinema e reclamar a programação de cinema. Pode ser que ainda desta vez água mole em pedra dura tanto bata até que fure.

terça-feira, 6 de março de 2012

O Abrigo

Jeff Nichols em seu segundo filme levanta o espectador da poltrona. “O Abrigo”(Take Shelter) é tudo o que Lars Von Triers quis fazer com o seu “Melancolia” e acabou num melancólico atestado de pobreza criadora. Aqui, num filme modesto, uma família composta do casal e uma filha surda-muda, passa a viver maus momentos quando o homem é acossado por pesadelos de diversas formas. Em crise emotiva, ele é despedido do emprego numa pesquisadora de petróleo, mal tem dinheiro para o seguro-saúde (incluindo uma cirurgia na filha para que possa falar/ouvir) e ele próprio sente necessidade de se consultar com um bom psiquiatra (que cobra caro). A mulher desespera-se porque as atitudes do marido nem sempre lhes são consultada antes de tomadas. E o pouco de dinheiro que ele tem investe num abrigo dizendo que vai chegar uma tempestade apocalíptica.
O roteiro cobre a metáfora de fim de mundo com a esquizofrenia que um clinico diz presente no personagem posto que a mãe dele fora esquizofrênica(como se a doença passasse para o filho). A mulher segura a barra, tentando dar o conforto de um carinho estremecido (ou salvar o casamento) e um dia ela acorda com uma tempestade e chama a atenção dele (que a leva, com a filha, para o abrigo construído a duras penas). A chuva passa, o sol aparece, mas isto não quer dizer que o mundo do desempregado brilhe. Há um plano para o final da narrativa extremamente coesa (nada de flashback, nada de efeitos especiais gigantescos- só nuvens carregadas e vôos de pássaros como nada de acordes para marcar suspense).
Uma dupla de grandes interpretes, Michael Shannon e Jessica Chastain, brilha forte. Ele trabalhou com Sidney Lumet(“Antes que o diabo saiba que você está morto”) e Werner Herzog(“Risco Frenético”). Ela foi a mulher de Brad Pitt em “A Árvore da Vida”. Estrelas que ajudam “O Abrigo” a ser um dos melhores filmes do ano passado nos EUA. E mesmo assim um titulo esquecido do Oscar(ganhou 27 prêmios doutras fontes, incluindo Cannes). Se os distribuidores brasileiros se lembrassem dele e as nossas salas de shopping ou especiais o exibissem seria, sem duvida alguma, um dos melhores títulos do ano.
Uma obra-prima.

Super-Herói Mirim

Quem pensa que é besteira esta “crônica”(chronicle) de Josh Trank(27 anos,primeiro filme para cinema) pode cair do cavalo. “Poder sem Limite”(Chronicle/EUA,2011) é uma observação aguda sobre o revanche do tímido, a consideração que ele exige quando se sente apto a exigir. É assim que age o adolescente Andrew(Dane DeHaan)quando junto a dois amigos,Matt(Alex Russel) e Steve(Michael B. Jordan) encontra dentro de um buraco um cristal que exala superpoderes a quem o toca. Andrew é o tímido do trio. Todos aprendem a voar e mexer com objetos & pessoas, mas é ele quem vai usar dessa força para se vingar de quem o maltrata.
O filme é escrito pelo diretor. Não é mais um marvelmovie: é uma espécie de quadrinho psicológico, bem estruturado como uma brincadeira infantil, jogando com efeitos especiais discretos, com uma produção econômica, e numa forma muito simples de abordar um tema.
Aqui não há nem a mocinha namorada do herói nem o vilão que deseja explodir o mundo. O universo dos garotos guinados a supermen é o mesmo de uma rotina classe média estadunidense. Há colégio, há colega invejoso ou simplesmente galhofeiro, há muito pouco da família de cada um. Interessa o que os moleques pensam e agem longe de tutelas. É como se o roteiro do filme fosse escrito por eles – ou por quem os entende (não à toa é um cineasta jovem que maneja o projeto).
O resultado espanta porque agrada a platéia do gênero “ação” como toca ao chato cinéfilo que quer ver água no deserto. Por sinal que um dos meninos lê Shopenhauer, cita a caverna de Platão, manja de mais filósofos nas brincadeiras com os outros. Esse espasmo cultural pinta o tipo. E a ação engendrada por ele cabe num clichê do realismo tido como pessimismo (por quem interpreta apressadamente Shopenhauer) ou a bandeira que o novo herói de gibi vai usar quando resolve acabar com tudo e todos que lhe atormentam.
É uma rara brincadeira inteligente. Eu quase perdia, pois ando arisco para com bobagens do cinema comercial amontoadas depois da descoberta de CGI e outras mágicas da tecnologia que introduzem a fantasia em qualquer buraco. Ganhei assistindo apesar da sala em que estive só faltar cair neve. Os compressores despejam um ar frio exagerado que os diretores das salas exibidoras acham um quesito de conforto. Cheguei a pedir aos meninos heróis da tela que interferissem...