sexta-feira, 26 de março de 2010

O Gigante Uruguaio e o Maluco Norte-Americano

Dois DVDs de filmes novos que pularam por cima dos cinemas locais: “Gigante” e “O Desinformante”. O primeiro é uruguaio e marca a estréia do diretor Adrián Biniez. O segundo é do conhecido Steven Soderbergh (“Che”).No caso do uruguaio a linha cabe na fonte neo-realista. Jará (Horacio Cananculle), funcionário de supermercado, encarregado de olhar os diversos departamentos através das câmeras instaladas, apaixona-se pela faxineira Julia (Leonor Svarcas). Tímido, ele observa o comportamento da jovem e sente-se enciumado quando aparece um homem que pretendia namorar ela, conhecendo-a pela Internet. O amor de Jará vira obsessão e ele acaba se tornando violento e despedido dom emprego quando sabe que a moça foi também despedida. Chega, finalmente, o encontro dos dois, focado numa praia deserta em um plano conjunto muito bonito.
“O Desinformante”(The Informant!) baseia-se no caso verdadeiro de Mark Wallace (interpretado por Matt Dammon), funcionário graduado de um grande firma especializada em manufatura de alimentos que na ânsia de promoção passa a gravar conversas que provam a venda de aditivos alimentares para outras corporações. Além disso, Mark conta uma história diferente de sua vida, passando por um ex-orfão adotado por um milionário e vencedor nos negócios por sua inteligência. As gravações e mentiras do rapaz geram grandes somas e ele acaba preso, embora saliente que é um bipolar, ou seja, que é doente mental e deve ser tratado como um paciente e não como um espertalhão.
O roteiro de Scott Z. Burns é um pouco confuso e a direção de Sodebergh não se mostra muito animada com o material que tem em mãos. O resultado podia ser melhor, mas Matt Dammon emprega a sinceridade exigida na construção da personagem Por ele o filme ganha o interesse de quem vê.
Curioso é que a história de Mark Wallace lembra a daquele superdotado que embrulhou muita gente e acabou trabalhando para associações financeiras. O tipo que Leonardo Di Caprio encarnou no filme de Steven Spielberg “Prenda-me se For Capaz”.
Os dois filmes chegaram à Belém em DVD. No sudeste alcançaram algumas salas. As nossas se satisfazem com os blockbusters de muitas cópias lançadas em território nacional.

quinta-feira, 25 de março de 2010

A Velha Dama Digna

Festejam-se os 80 anos de Jean Luc Godard e nem se fala nos 90 de Michèle Morgan. A grande dama do cinema francês completou esta avançada idade em fevereiro. Seu último filme para cinema foi “Estamos Todos Bem”(Stanno Tutti Bene) de Giuseppe Tornatore refilmado agora com Robert de Niro no papel que foi de Marcello Mastroianni.
] La Morgan encantou em “Fabiola”, em “Amar-te é o Meu Destino”, em “O Ídolo Caído” e, principalmente, em “Sinfonia Pastoral”. Era a beleza serena da mulher que não precisava mostrar pendores físicos para atrair os parceiros. Uma atriz de classe, a “classuda” de uma linha que em Hollywood pontuava uma Bette Davis, uma Barbara Stanwyck, ou mais atrás no tempo uma Janet Gaynor.
Hoje seria difícil fazer uma retrospectiva de Michèle com o que se tem em DVD na praça. Seria preciso ajuda da Embaixada da França. Mas certamente valeria a pena. A nova geração precisa conhecer essa gente que fez a “vielle-garde” depois injustamente desprezada pelos garotos que quiseram mudar o mundo (como o hoje oitentão Godard).

quarta-feira, 24 de março de 2010

A RAPOSA, O LIVRO E O JOGADOR

Os filmes dos nossos cinemas variaram em gênero, numero e grau. “O Fantástico Sr. Raposo” é uma fabula moderna em que os bons não são necessariamente bons. O Sr. Raposo do titulo, diz que vai deixar de ser ladrão de galinha, monta uma casa bacana debaixo de uma arvore,saúda a mulher que lhe vai dar um filho(no original literário é uma ninhada), e se dedica a escrever uma coluna no Jornal dos Bichos. O problema está na sentença de quem foi rei sempre será majestade, Raposo não resiste em atacar os galinheiros dos senhores Boque, Bunco e Bino. Aquela história do escorpião que pede carona a um sapo para atravessar o rio e no meio do caminho pica o sapo apesar de ter jurado se comportar. “-É minha natureza” diz o escorpião. É o eco ouvido pelo Raposo pai da família que ataca as aves chegando a armazenar carne em sua dispensa.
O diretor Wes Anderson não é um La Fontaine ou um Esopo. Intelectual da linha moderna fez “Os Excêntricos Tenenbaums” e “Vida Marinha com Steve Zissou”,filmes com gente estranha. Nada que o impeça de guinar para a animação e engendrar personagens avessas aos estereótipos cinematográficos. Na sua forma, o método “stop motion” de visualizar Raposo & familiares tem correlação com o que já mostrou. E na fidelidade a um tema, reafirma talento. Agora de forma mais acessível ao grande público. A garotada vai aplaudir e os mais velhos não vão se sentir incomodados em acompanhar seus fedelhos ao cinema.
“O Livro de Eli” é outro exemplo de fidelidade. Agora por parte dos irmãos Hughes , os que fizeram “Do Inferno” onde Jack,o Extirpador era uma figura nobre que não se revela de todo no desfecho da história. Desta vez os Hughes mostram-se crentes. Eli (Denzel Washington) é um andarilho no mundo pós-apocalipse que segue rumo ao oeste dos EUA levando consigo o último exemplar da Bíblia. No caminho ele encontra um tirano que deseja o livro. Eli parece inscrever o seu próprio livro no texto sagrado. Antes de sucumbir a um atentado do vilão consegue ditar os versículos do Velho Testamento que sabia de cor a um providencial escriba-editor. Ressurge a Bíblia. E a companheira que ele adquire na jornada é quem vai substituí-lo na reorganização do mundo.
O cinema anda filmando demais fim de mundo. Ainda ontem eu vi “A Estrada”(The Road) de John Hilcoat com base numa história de Cormac MacCarthy. Ali, pai e filho sobreviventes de uma guerra anônima buscam meios de sobreviver num mundo violento. No caso de “O Livro de Eli” é a mesma coisa, porém o sentido da fé e a história sagrada, permeiam o cenário e colocam um autêntico samurai na luta pelo Bem.
OK, tudo acomodado como um sermão pronunciado numa igreja. Mas o visual conseguido é muito bom, talvez o melhor dos filmes semelhantes, superando o de “Mad Max”,a trilogia australiana que lançou o ator Mel Gibson..Só isso já vale a ida ao cinema. E como o perdão é a alma da religiosidade, perdoar rasgos sentimentais é um aceno para a salvação do espectador.
Finalmente “O Sonho Possível”(The Blind Side) aquela coisa que deu um Oscar a Sandra Bullock. É como se ela própria abrigasse em casa o negro pobre vivido por Quinton Aaron, bolsista numa universidade por saber jogar futebol americano. Ela, madame Leigh Anne, é socialite de carteirinha. Mas samaritana de carimbo. O argumento deriva de um caso real, mas o ruim é a gente ter de agüentar cenas dos jogos, esse tipo de esporte que para nós, do pé na bola (ou “soccer”) é escrita chinesa. E convenhamos, Bullock não diz por onde ser digna de prêmio, Talvez tenha merecido mais o Framboesa de pior intérprete do ano dado pela turma irreverente que contabiliza o outro lado da medalha em Hollywood.
Um saco.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Mandela, Freeman, Eastwood

“Invictus”(EUA,2009) chega na hora da Copa do Mundo na África do Sul. Se os EUA não fossem mais beisebolistas eu podia pensar que o filme dirigido por Clint Eastwood era oportunista. Mas não deve ser. Conta a história de um campeonato internacional de rugby, justamente em Capetown (África do Sul). O presidente é Nelson Mandela. Ele acabara de sair de uma prisão que lhe comeu 30 anos de vida. O país, livre dos ingleses e do “appartheid”, não andava bem na economia. O campeonato seria uma forma de angariar divisas. Mas o negro sul-africano não tinha estrelas nesse esporte. O time nacional teria de ter maioria branca e preponderância de ingleses. Motivo para um comentário de Secretario de Estado: “- Ele(Mandela) passou tanto tempo preso e agora vai prestigiar seus carcereiros”. Os ingleses, por seu turno, temiam revanchismo na nova política do país. Os pais do atacante do time sulafricano(vivido por Matt Dammon), ingleses de nascimento, dizem ao filho que tenha cuidado. Mas a porfia só veio provar o caráter de Mandela, a sublime faculdade de perdoar. Mesmo em beneficio próprio.
O filme de Eastwood é, como se podia esperar, muito bem narrado. Eu que não pesco bulhufas de rúgbi torci pelos sul-africanos. E Morgan Freeman como Mandela é “a cara” do personagem. A gente não pensa que é o político. Esquece o ator.
Uma pena que o filme de Clint Eastwood não tivesse seduzido uma platéia como devia. Entrou no Oscar por Freeman, realmente impressionante. Mas do diretor coube, no passado, muito mais. De qualquer forma ele próprio me parece invicto. Tudo o que faz é no mínimo bom. Isto é raro no cinema, mesmo com o respaldo industrial que tem o que é feito nos EUA.
Outro milagre: o filme ser exibido em Belém. Certo que jogaram lá na linha divisória do gramado, ou seja, no shopping Castanheira. Mas quem tem coragem de enfrentar o entroncamento vai lá.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Quando Trabalhar É Mais Divertido

O profissional que se diverte trabalhando é um agraciado da sorte. Meryl Streep pode estar nesse clube. A atriz, hoje na casa dos 60, chorou rios em atuações pregressas como em “A Escolha de Sofia” e “Kramer Vs Kramer”. Agora ela ri. Riu como cantou e dançou em “Mamma Mia”, ri fazendo guloseimas em “Julia & Julie”, e ri em mais de 80 minutos dos 120 de “Simplesmente Complicado”(It’s Complicated).
No filme de Nancy (Melhor é Impossível) Meyer, a talentosa Streep é uma mulher divorciada que o ex-marido assedia e a leva a fazer sexo depois de 10 anos de jejum. Convenhamos que é muito. Uma amiga, dessas de rodas em bar (mulher também fazem esse tipo de reunião) conta que conheceu uma fulana que de tanto jejuar sexo viu fechar a sua vagina (“teve de fazer uma vaginoplastia”). Sei lá se foi medo ou a cantada de Alec Baldwyn deu certo: Meryl transa com o “ex” (que a chifrou no passado) e a coisa se repete pelo menos por mais duas vezes. É o ponto em que a mulher detém as gargalhadas e diz que não foi feita para ser amante de quem foi seu marido. No banco de reserva está o arquiteto vivido por um Steve Martin quieto demais. E do lado de Baldwyn está uma esposa, Lake Bell, com idade de ser sua filha.
O romance em geometria confusa (é um quarteto e não o velho triangulo) não se resolve plenamente. Nessa posição é que a diretora joga com um elemento cabeça: filma na chuva o balouço onde estavam Meryl e Alec conversando sobre a sua situação, e rima com Martin atendendo a convites de Meryl para comer um doce em sua casa. Aí a platéia entende que tudo vai ficar como antes no quartel de Abrantes (não é assim que se diz?). Mas...será mesmo ? “It’s Complicated” pode ser simples como o titulo porém o roteiro, da própria diretora, não embarca na canoa furada que é meditar sobre velhos amores. Para a platéia de comédia romântica o tempo corre numa horizontalidade sem desvios. O certo, porém, é que alguns atores parecem se divertir mais do que os que os vêem. Afinal, Meryl ri. Nem como propaganda de dentifrício se mostra tanto a dentadura. (Pedro Veriano)