quarta-feira, 27 de junho de 2012

Cinema em uma Viagem

É possível fazer cinema dentro da boleia de um caminhão com o motorista, uma jovem mãe e uma criança de 6 meses transitando do Paraguai à Argentina. Poucas vezes as personagens saltam do carro que leva madeira para Buenos Aires e também falam pouco. Quem espera um desastre, um drama qualquer pelo caminho, uma recepção cruel à mãe solteira e seu cativante bebê (uma das melhores caras de criancinha que vi no cinema) cai do cavalo. O filme do argentino Pablo Giorgelli é só a viagem(diz-se “road movie”), captando as expressões do caminhoneiro solitário e da mulher que espera melhorar de situação na casa da prima para onde se dirige. Nada acontece de ruim no caminho. Os tipos vão gradativamente se encontrando em suas situações, em uma simpatia mutua. Também não vira um romance de amor. É um fato, uma realidade. “Las Acacias” ganhou prêmio em Cannes. É de tirar o chapéu para o cineasta que o concebeu e a seus atores. Há muito eu não via um filme tão criativo a partir do nada. Uma prova de que cinema se pode fazer de pequenas coisas, chegando mais perto da gente quanto mais a gente se identifica com o cenário. Vi em vídeo extraído da internet. Valeu.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Pornochanchadas

A pornochanchada foi a arma dos cineastas brasileiros contra a censura do governo militar. Eles imprimiam tanta sacanagem prevendo os cortes para deixar um filme de mais de 60 minutos de projeção pensando que muita matéria “censurável” deixaria os censores cansados e por isso deixariam passar coisas que os puristas da hipocrisia teriam de engolir. Hoje há liberdade de expressão. E aí, comeu ? Sim, come-se tudo o que se contava aos amigos do rol de piadas cabeludas. O sexo era o chá das cinco. Mas eu achei superior a menção a sexo que vi/ouvi no filme “O Último Dançarino de Mao” de Bruce Bereston lançado agora em DVD. O chinês que pouco sabia de inglês amassava a garota e ela dizia que era virgem e não queria fazer “a coisa” agora. Como ele insistisse ela falava em sexo. E perguntava a ele se sabia o que era sexo. Ele respondia que sim e numerava: three, four, five, sex.... Nas pornochanchadas modernas aquilo que a turma sussurrava com medo de ser ouvida pelos mais velhos é gritada. E o que servia ao namoro com menina possivelmente virginal passa para a cama como a coisa mais natural do mundo. No passado havia medico que restaurava himem a preço alto. Para enganar marido. Hoje dá para rir. Virgem só DVD. E o cinema se prostituiu. Mas não pela facilidade de exibir o antes proibido. Se prostituiu porque misturou sacanagem com arte. E como dizia o personagem Lorde Cigano no “Bye Bye Brasil”de Cacá Diegues, “sacanagem tem que ser bem administrada”. Tarefa de gente como Max Ophuls e Autant-Lara no cinema clássico que deslocava a câmera para uma lareira como forma de exibir o orgasmo.

Chaplin Sempre

Chaplin lota o velho Olympia, provoca risos lágrimas e aplausos como fez num passado certamente não alcançado pela maioria que o foi ver na mostra ora realizada no nosso cinema centenário. Há quem diga que cinema é uma arte vulnerável por viver de película que o tempo macula(antes nitrato depois acetato). Bem verdade hoje tem o processo digital, mas até aí há de se fazer manutenção para que as imagens não desapareçam. Contra essa trágica sentença está a memória que se guarda e se passa às novas gerações. E técnicas que estão facilitando o acompanhamento em gravação física dessas lembranças ancestrais. Espero que os netos de meus netos vejam Chaplin. E sou capaz de apostar que eles vão rir. Minha paixão pelo cinema parte desse encontro com projeções que ficaram. Um “Branca de Neve e os 7 Anões” fez-me estrear na cinemania, e as comédias visuais alimentavam minhas manhãs de domingo (sim, os cinemas faziam matinais). Em casa chegava a ter um bibelô de louça com as caras de Laurell(Magro) e Hardy(Gordo). Harold Llloyd era conhecido como “Caixa D’Oculos” , Fatty Arbuckle como “Chico Boia”, Joe E. Brown como “Boca Larga”. Todos gente nossa, como nosso era Carlitos. O vagabundo estava em chaveiros, em brinquedos, em filme de 8mm (nem tinha Super 8) e 16mm. A indústria botava esses ídolos na intimidade de quem os ia ver na tela grande. E creio que eles me ajudaram a gostar tanto do que na adolescência vim saber que se tratava de 7ªarte. Chaplin fazia cinema desde 1914 e em breve a gente comemora seu centenário. Cinema,portanto, não é perecível. É como disse Claude Lellouch “o registro da vida”.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Luzia 72

Luzia (Maria Luzia Miranda Álvares) completou 72 anos. Quando eu a conheci tinha apenas 16. Não é por ter sido minha namorada e pouco tempo depois minha esposa, mas ressalto a sua pertinência, a sua enorme força de vontade. Em 1977 assumiu uma coluna de critica de cinema no jornal “O Liberal”. Não sabia datilografar e nada havia escrito antes na especialidade literária. Por sinal que nessa época ingressava na UFPa, curso de Ciências Sociais,. Antes guardava o diploma de professora (Curso Pedagógico do Colégio Santa Rosa).Mesmo assim assumiu o posto. Não demorou e passou da minha máquina dinossaurica para uma elétrica (que eu nunca manejei). Adiante no tempo e eu comprara um computador (gabinete IBM) e ela achava um monstro além de sua imaginação. Mas logo mudou de ideia. Passa o tempo e ela me ensina detalhes de informática. Formada em Ciência Política passa a ensinar e logo fazer mestrado e doutorado (no RJ com banca de fora). Completa 40 anos de jornal e no currículo está o fato de fazer parte da diretoria do Sindicato de Jornalistas, de ser representante regional da Embrafilme (na época do governo militar, quando chegou a ser ameaçada por publicar uma entrevista que criticava a censura de então), e de criar um departamento para estudo da mulher e relação de gênero na universidade. Tem muitos livros publicados em sociedade com outras pesquisadoras e produziu alguns vídeos domésticos. Dá para dizer que Luzia seguiu à risca o preceito árabe de realização em vida: plantou árvore(muitas no Mosqueiro), fez filho (quatro filhas) e escreveu livro. Beleza de vida. Frank Capra diria “a wonderful life”. Cada ano que passa de seu calendário merece, portanto, uma festa. No caso, festa do coração como no titulo de dois filmes (um de Julie Duvivier outro de René Clair). Sinto-me feliz de ter achado Luzia. E foi em casa quando estudava com uma colega. Foi ver e achar que ali estava a minha companheira para toda a vida. Deu certo. Caminhamos para a velhice com nossas cargas de lembranças edificantes. E engraçado é que no namoro dizíamos que não pedíamos nada de galardões em nossos caminhos. A despretensão ajudou, e não me envaideço disso. Parabéns Lu, “nega”(como o pai dela a chamava), e quatro vezes mãe (para surgir dez vezes avó).

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Rever Chaplin

O programa do centenário do cinema Olympia abre espaço para quem tem todo o direito de ser isso: programa de cinema duradouro. Refiro-me a Charles Spencer Chaplin (1889-1977). Este inglês que sabia ser engraçado e ao mesmo tempo profundo atiçador de lágrimas, virou símbolo de sua arte em filmes que realizou em todas as áreas(produção, direção, roteiro, interpretação e “teco” na fotografia e enquadramento, além de fazer as músicas que acompanhariam as imagens mudas e mais tarde seriam inseridas nas cenas faladas). O que Chaplin deixou de mais substancioso, os seus longas e alguns curtas, ganha uma semana de exibições sempre às 18,30 com ingresso livre. E eu penso no vagabundo Carlitos numa cabana em meio às nevascas de uma montanha, faminto a ponto de comer seu sapato, ele mesmo fazendo uma dança com miolos de pão agarrados em garfos (“Em Busca do Ouro”/The Golden Rush), ele deixando na tela o que se acha o equivalente da Giconda de Leonardo no plano final de “Luzes da Cidade”/Citylights, no momento em que confessa a ex-ceguinha que foi ele seu benfeitor (entre sorriso e lágrimas), ele dançando e cantando em língua própria no teimoso “Tempos Modernos”(Modern Times) onde criticava o advento do som nos filmes, e até mesmo como o matador de mulheres em “Monsieur Verdoux”,sua associação com outro gênio.Orson Welles(autor do roteiro original) e o corajoso critico dos governantes tiranos dos anos 30/40, de Mussolini a Hitler em “O Grande Ditador”(The Great Dictator). Claro que há o Chaplin da origem circense no antológico “O Circo”(The Circus), rara vez que entrou no pareo do Oscar, e ainda o terno pai adotivo de “O Garoto”(The Child) ou ainda nos curtas mais festejados como “Vida de Cachoro”(Dog’s Life). Rever Chaplin é sempre ver cinema. O cinema puro, feito de imagens, pronto para ativar nossas emoções.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Ricky

“Ricky” de François Ozon me surpreendeu. Não li o livro de onde veio o argumento e pensei que se tratasse de um filme modesto sobre criança problemática. Valeu descobrir um raro exemplo de realismo-fantástico. Katie (Alexandra Lamy) é a mãe solteira de Lisa(Melusine Mayance) quando conhece o imigrante Paco(Sergi Lopez) e produz Ricky(Arthur Peyret).Quando ela pensa que o menino está machucado, culpando o pai que fica com ele quando ela trabalha , surpreende-se com o nascer de...asas. Não demora e o menino voa. Joseph Losey fez um garoto de cabelos verdes espantar uma escola tradicional. Agora Ricky mostra que uma criança voadora pode ser muita coisa. Pode simplesmente ser diferente. E se ganha mídia logo pode virar rotina, pois desaparece. O filme encanta como a imagem do garotinho que arranjaram para o papel (devia ter cerca de seis meses de idade). Tudo muito natural como aquele marido que some numa praia em “Sob a Areia”(Sous le Sable) melhor filme do prolífico Ozon. E é nesta naturalidade com que se chega ao complexo da vida é que está o fascínio do filme. Vi na minha TV e aplaudi intimamente. Foi o meu DVD da semana. Ah sim: não chegou aos cinemas. Pelo menos os daqui,entretidos com os blocbostas de Hollywood.