domingo, 31 de outubro de 2010

Infelicidade sim

Arnaldo Jabor é mais conhecido pelos jovens como cronista de ironia mordaz, uma espécie de prosseguidor do estilo de seu falecido colega Paulo Francis. Mas ele fez parte do movimento “cinema novo”,a "escola" que revelou os talentos de Glauber Rocha, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Cacá Diegues e outros que surgiram no inicio dos anos 60, muitos ligados a antiga UNE, estudantes combatentes ao regime instalado no país pelos militares.
No passado Jabor fez 9 trabalhos em cinema, entre produções curtas e longas. Gostava de títulos que fossem facilmente memorizáveis como “O Casamento”, “Toda Nudez Será Castigada”,“Tudo Bem”, “Eu Te Amo” e “Eu Sei que Vou Te Amar”. Desde 1990, quando dirigiu o curta-metragem “Carnaval”, passou a se dedicar inteiramente ao jornalismo. Este ano resolveu voltar às origens. E com o mesmo padrão de nomes & temas: “A Suprema Felicidade”. Quis ele realizar o seu “amarcord”, analogia com o clássico de Fellini. Seria uma lembrança, ou melhor, um álbum de lembranças, de seu tempo de juventude. Um roteiro (dele) que se iniciava no final da 2ª.Guerra Mundial (1945), caminhando pelas diversas mudanças político-sociais , sempre na ótica de um personagem, no caso uma criança no começo da historia, depois um adolescente que vai descobrindo o meio em que vive, a estrutura familiar e o seu próprio corpo.
O filme, agora lançado nacionalmente, revela-se uma decepção. Não pelo desvio artístico do autor, que na verdade nunca foi muito bom a não ser em “Tudo Bem”(1978) onde se via um casal de velhos em um apartamento rodeado de fantasmas amigos. Mas pelo desencontro das idéias, a desconexão do tempo e espaço a partir de uma porfia contra a linearidade do cinema tradicional, o embaralhamento dos fatos históricos, a desconexão com o próprio tipo principal. Basta dizer que a trama é centrada no garoto Paulo, e encerra no avô dele, Noel (Marco Nanini, o melhor em cena). Ainda mais que em tom apoteótico, seguindo um esquema teatral que parte das falas e segue pelo enquadramento onde se vê, por exemplo, tipos de corpo inteiro numa sala discutindo sem que a câmera se mova.
A progressão etária de Paulo segue a explicitude erótica exposta nos outros trabalhos do cineasta. O que se privilegia é o sexo. Não interessa o que o menino estuda, o que pretende fazer quando deixar a escola, como ganha o seu sustento(já que o que pai, aviador frustrado, é de classe média baixa e a mãe não trabalha), e o que pensa dos familiares mais próximos. Resta em um olhar (mesmo assim mal definido) para todas as situações dramáticas, com mais evidencia no papel do avô boêmio, exímio trompetista, ainda músico de bares .
Se a narrativa abdica de ser em primeira pessoa, o que é mostrado, entre reconstituição de épocas e pedaços de cine-documentário, é de uma gratuidade incômoda. Não há um encaixo histórico perfeito. As cenas são alegóricas, mas os planos de guerra, por exemplo, não refletem o que alguém esteja sentindo. É uma pontuação desigual, como um “tapa-buraco”.
Até os intervalos musicais são anacrônicos, como alguma musica estrangeira fora da época fixada (e nem se fala nos números nacionais). Aliás, se o filme fosse um musical teria mais liberdade e talvez acabasse menos ruim. Como está é falso e monótono. Além disso, guiado por um baixo erotismo a lembrar as pornochanchadas dos anos 60/70, com tudo de mau gosto que se exigia no tempo em que a meta era driblar a censura ditatorial.
Se as memórias de Jabor forem essas, faltou a participação da razão. Seria o quadro de um inconsciente freudiano ou de uma falsa interpretação de que o publico de cinema aposta no que seja “proibitivo”.
Concluí que foi uma suprema infelicidade o retorno do cineasta. E a suprema, pelo menos no meu caso, foi ver o filme terminar.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Pequenos Grandes Atores

Vi na TV paga o filme chinês “Pequenas Flores Vermelhas”(Kan Shang qu hen mei/2006). O melhor de minha semana (e olhem que eu vejo a média e 2 DVDs por dia).
O diretor Yuan Zhang ousa denunciar a educação despótica da China revolucionaria (o tempo de Mao). Um menino de 4 anos (Dong Bowen)é levado pelo pai para um internato onde as professoras o engajam no jardim da infância. Lá se tem hora para tudo: comer, defecar, dormir, as mais elementares necessidades. O menino mostra que não é de se deixar dobrar. Resiste aos mandos das tirânicas mestras. Uma delas chama de monstro e chega a convencer colegas a atacá-la no dormitório. No fim de uma temporada de castigos, o maior deles é não ganhar as pequenas flores vermelhas que se dá como prêmio ao bom comportamento diário, o menino foge. A última imagem é dele deitado na rua. Cruel como certas verdades.
Impressiona o domínio dos desempenhos infantis. Eu já dirigi criança e sei como isto é difícil. Deve-se alcançar um grau de intimidade com o menor para que ele pense que o trabalho adiante das câmeras é brincadeira. E controlar muitas crianças é um desafio. Todas (e são mais de 50) convencem no que lhes pedem para fazer. Uma menininha dedo-duro “é um prodígio. A graça infantil serve de contraponto ao terror do mando. Basta um close do menino triste por não ganhar a sua flor, ou quando diz que “não consegue fazer cocô”, para se reter o filme na memória.
Yuan Zhang fez co-produção com os italianos. Não deve ser persona-grata em seu país. “Pequenas Flores Vermelhas” é uma ode à liberdade e a criança representa em tese isso mesmo, a liberdade exposta de modo franco.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Melhor que o Primeiro

“Tropa de Elite 2”(Brasil,2010) consegue um fato raro: é melhor do que o primeiro filme com este nome. E não só porque todos os elementos de realização mostram-se afinados, da direção de José Padilha, passando pelo roteiro enxuto de Bráulio Mantovani, pela edição sufocante de Daniel Rezende, pela fotografia de Lula Carvalho, pelo elenco irrepreensível. O filme é maior porque vai além da formula “policia-versus-bandido”. Denunciando a corrupção na área policial, mostrando até mesmo a venda de armas para os traficantes nos morros cariocas, o roteiro vai fundo na área política e mostra o hoje coronel Nascimento(no outro filme era capitão), soltando cachorros na Assembléia Legislativa (“muitos dos deputados que estão aqui deviam estar na cadeia”), indo à uma CPI gritar contra a politicalha, enfim, tentar impor a lei e a ordem e ao mesmo tempo limpar seu nome de medidas constrangedoras que lhe macularam a farda como a invasão no presídio Bangu I logo no inicio do filme.

Desta vez Padilha apostou no realismo. A gente pensa que está vendo uma reportagem sobre a guerra nas favelas. Tudo funciona nas cenas de ação. E dizem mais do que as imagens mostram. Para cada movimento há uma falcatrua, uma reação a desejos feridos.

O filme termina com um plano aéreo de Brasília. Como diz Nascimento (Wagner Moura excelente até na maquilagem que o envelhece),”a merda cai no ventilador”. E fiquei pensando na estréia em tempo de eleição. Claro que Padilha e Mantovani não mostram siglas. Dizem que há coisas que precisam ser consertadas. E urgente.

Um belo filme. Merece a afluência de publico que está obtendo.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Que Vier Funcion

Woody Allen volta à sua New York depois de um giro inglês (“Match Point”,”O Grande Furo”) e espanhol(“Vicky Cristina Barcelona”). E volta para dizer que não mudou. Se o seu novo filme (perdão,já tem outro pronto e mais outros no ovo) que aqui se chama “Tudo Pode Dar Certo” afirma, no original, que “O Que Vier Funciona”(Whatever Works). Não é conformismo: é descrença. Debaixo de uma ironia que deriva dos Marx Brothers usa de porta-voz, ou alter-ego, um cientista chamado Boris (Larry David), que é divorciado porque não mais aturou a mulher carola e chegou a tentar o suicídio ganhando com isso um andar manco, assemelhando-se “in totum”ao dr.Gregory House de Hugh Laurie na TV (é o caso de dizer que a cara de um é o focinho do outro).
Boris tenta levar a vida cantando todo dia, ao lavar as mãos, “Parabéns a Você”. O destinatário é ele mesmo. Cético em tudo, fala para quem acha que está lhe vendo (nós, espectadores), afirmando o que Allen sempre afirmou, da descrença em qualquer religião, da pouca ou nenhuma confiança no ser humano, do absoluto desprezo a sentimentos que vão do amor ao próprio trabalho. Só é frágil diante da doença (afinal um paradoxo para quem não dá valor à vida) e chega a correr de noite para um hospital quando pensa que a picada de mosquito é um melanoma.
A união de Boris com a jovem Melody (Evan Rachel Wood, ótima descoberta),resulta primeiro na capacidade de dar à ela o chamado “efeito mimético”. A moça que fugira de casa e estava morando na rua passa a repetir os resmungos do seu anfitrião, não importa se nada conheça de Física (ela cita a “Teoria das Cordas” porque ouviu Boris falar disso) e confunda próton com “chato”. O resultado é que acaba em casamento tão improvável como a própria capacidade do marido acatar qualquer relacionamento estável.
Mas se a união dura um ano e vê-se Boris dizendo para a tela que “não foi o pior ano de sua vida” acaba desmoronando quando entra em cena, ou melhor, no pequeno apartamento do casal, a mãe de Melody (Patricia Clarkson). Ela cai bem na ária de Il Rigoletto”(“volúvel como pluma ao vento). Logo está praticando “ménage a troi” e arranjando um novo marido para a filha. Como se não bastasse, chega também o pai de Mellody(Ed Begley Jr). E se ele começa demonstrando a sua educação austera e cristã não demora a se revelar um “gay”.
Tentando outra vez o suicídio(a meta é se atirar da janela), Boris agora cai sobre uma vidente a quem leva para um hospital e com quem vai se unir. Numa festa de ano novo à guisa de encerramento do filme, ele solta os velhos cachorros: detesta o tipo de festa pois lembra que “cada vez mais se chega à sepultura”. Mas considera que tudo o que cai (ele caiu para uma nova fase da vida) pode dar certo. Woody Allen caiu pelos encantos da enteada Soo Lyin e parece ter gostado. Chegar ao âmago do pessimismo e nele encontrar um balsamo é como ver uma flor na lama. Mas é assim que o cineasta comediante de 74 anos (beira os 75) trabalha. Faz cinema de idéia fixa, alertando que o que vale é viver a vida enquanto se vive. E não importa se o método de viver é o do solitário de “Sonhos de um Sedutor”(Play it Again, Sam), sua peça teatral que Herbert Ross dirigiu no cinema, ou o noivo de Annie Hall,ou o hipocondríaco de “Anna e Suas Irmãs” ou até mesmo o mágico que morre porque reclama a mão de direção dos ingleses em “O Grande Furo”.
“Tudo Pode Dar Certo” é bem um filme de Woody Allen. Pode ser radical, daí a piada no fim quando Boris diz que “ficou pouca gente vendo”. Mas é a cara dele. E hoje, no mundo do cinema, poucos realizadores são tão pessoais.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ride Pagliacci

Longe da opera de Leoncavallo a gente, no cinema, ria de tantos traídos pela sorte(não apenas pela mulher) e/ou vingadores anônimos da sociedade. Os grandes palhaços estão morrendo. Afora Chaplin, que deixou este mundo em 1977 e já não mais fazia rir como no tempo em que as “fitas” eram mudas, os seus comparsas de diversos países desapareceram além das câmeras.
Quando eu via nos cinemas mais filmes do que os dias do ano (hoje nem que eu quisesse não podia arriscar tanto), os EUA tinham, por exemplo, Danny Kaye (o melhor showman que eu conheci). Eu não cito atores versáteis como Jack Lemmon, bons em comédias como em tragédias (“Se Meu Apartamento Falasse...” é a tragédia social do meio urbano). Os franceses tinham Fernandel, o “cara de cavalo”(fantástico em “O Carneiro de 5 Patas”). Os italianos iam à luta com Totó, o mestre feio, e Walter Chiari. Os ingleses, que tinham fama de não rir, botavam nas telas Norman Wisdom. Esses palhaços sucederam os heróis da comédia visual, o cinema em estado de graça que a partir de Chaplin e antes da extraordinária anarquia dos Irmãos Marx atacavam de Harold Lloyd, Buster Keaton, até mesmo Laurell & Hardy (e uma vez ou outra os imitadores Abott & Costello). Ah sim: tinha Jerry Lewis. Este ainda vive. Mas é um fantasma de corpo presente.
Norman Wisdom morreu este mês (outubro). Tinha 95 anos. Sua formula de fazer rir era ditada por uma expressão facial econômica. Mas o resto do corpo se mexia. E a cara de pedra, “a la Keaton”, ajudava. Chegou a fazer um filme americano: “Quando o Strip Tease Começou”(The Night They Raided Minky’s/1972) de William Friedkin. Basta este exemplo de filme A para qualificar Norman como o desajeitado que dava tombos homéricos, lembrava o tipo que Donald O’Connor tão bem encarnou em “Cantando na Chuva”.
Aqui em Belém passavam lotes de filmes baratos com Norman Wisdom, distribuídos por J. Arthur Rank (primeiro vinham através da Universal, depois pela própria firma britânica). Eu não os perdia. Ria o bastante para suportar o pior da rotina de estudante (especialmente quando fiz o curso de medicina).
Hoje os ingleses apostam em Rowan Atkinson. É outra norma. O ator é expressivo, mas o tipo que ele criou é de cartoon. Se as gags são bem escritas ele funciona. Mas se é cercado de boa produção não possui a ingenuidade do seu velho colega (ou mestre, fica melhor). Por sinal que Atkinson está deixando de ser Mr. Bean, o tipo que lhe deu fama. Sente que cansou. Não sei quem ficará no trono dos galhofeiros. Se não aparecer substituto nós, cinemeiros,estamos fadados a achar graça, apenas,do que se diz sério, dessas aventuras histórico-mitológicas de grande orçamento, onde a piada é justamente a falta de piada. Ou o ridículo em overdose.