quinta-feira, 31 de março de 2011

Cinema em Casa

Não é mais o Bandeirante, meu cineminha de porão de casa com filme-pelicula de 16mm. É DVD na sala, em TV de 42 polegadas. Faço duas sessões por dia. Vejo e revejo o que já tinha como perdido no tempo. Dessa safra antiga o “Cisne Negro”(Black Swan)de Henry King (1943). Tenho certeza que na locadora muita gente vai pensar que é o novo cine-ballet com Natalie Portman. E reclamar depois, como aquela senhora que ficou pê da vida quando levou para os seus filhos verem “Beethoven” de Abel Gance pensando que era uma aventura de cachorro. Quando reclamou a atendente mostrou-se surpresa: “- A senhora tem certeza de que não tem cachorro?”
“-Tenho minha filha. E tem mais: é fita velha em preto e branco”.
Pois é: “O Cisne Negro” lançado agora é uma aventura de piratas que andou pelo Olímpia nos meados dos 40. Tyrone Power faz o corsário que vira pirata (explico:corsário rouba para o rei, pirata para seu bolso) e depois prefere casar com uma nobre inglesa jogada na Jamaica. Há muitos planos abertos com os atores representando de corpo inteiro. E ainda não tinha chegado o cinemascope. Quando a largura do quadro exigia menos cortes, e planos próximos era comum ver um modelo de teatro. Isso é estranho nos anos 40. Mas cômodo. E as caravelas são miniaturas. Claro, pois a Fox,produtora,não ia gastar tanto botando navios de verdade em suas piscinas. Como a garota renitente que o machão dobra está Maureen OHara antes de ser puxada pelos cabelos por John Wayne em “Depois do Vendaval”. Maureen ainda vive, hoje com 90 anos(fará 91 em agosto).É irlandesa e como tal não dá pista de ser pau de manobra. Mas o cinema provoca. E paga. O filme com Ty Power vem de uma história boba e uma direção preguiçosa.
Outro programa antigo : “Até à Vista,Querida”(Murder, My Sweet/1944). Dick Powell é o detetive Phillip Marlowe de Raymond Chandler. Quem dirige é Edward Dmitryk. Narrativa ligeira na linha dos contos de Chandler. E muita trama, muita confusão, Na tela pequena é difícil acompanhar. E o cinismo dos tipos como Marlowe morre no meio do caminho. Há pouco humor e muita coincidência. Nunca fez meu gosto. Não gostei no Bandeirante e repeti a impressão.
Melhor ver “Homens em Furia”(Stone), com Robert De Niro caindo nas malhas de Mila Javovich, no caso a mulher de Edward Norton que quer soltar o marido e providencia uma transa com o delegado em vias de se aposentar (e casado há 43 anos). O filme dirigido por John Curran foge das armadilhas do gênero. O que se espera, como uma tragédia pela infidelidade do “tira”, não chega fisicamente. Resta um tom moral que ele diz ao detento (que ele ajuda a sair da cadeia) ameaçando-o com um revolver: “-Você arruinou minha vida”. Mas não existe “bad end”. Ninguém morre. O tom é de introspecção sem chatice. Vi de um fôlego.
E gostei muito de “Um Burguês Muito Pequeno”(Um Borghese Piccolo Piccolo/1977) de Mario Monicelli com Alberto Sordi. O roteiro mostra que a violência tem efeito dominó. Vendo o filho único ser assassinado ao seu lado, o velho contabilista entra em parafuso. E aperta de vez a vida quando a mulher não suporta a tragédia e vai atrás do jovem que desejava seguir a profissão do pai. Monicelli começou fazendo comédias com Steno. Muita coisa de Totó. Mas quando ficou só, deixou fluir seu tropismo pelam amargura. Este filme de 1977 é cruel. Mas extremamente bem feito. Choca por saber demonstrar que no cinema há espaço para um comediante como Sordi fazer lágrimas e não apenas sorrisos.

terça-feira, 29 de março de 2011

Farley Granger

Dois galãs dos anos 50/60 decepcionaram as fãs quando descobertos homossexuais: Rock Hudson e Farley Granger. Hudson acabou sendo vitima da AIDS. Só foi ator de verdade em “Seconds”(O Segundo Rosto) e o diretor John Frankenheimmer dizia que procurou filmá-lo bêbado. Já Granger, morto agora aos 85 anos, era bi. Teve caso com lindas mulheres como Ava Gardner, mas vivia com um produtor morto recentemente. Não era muito expressivo, mas fez bons filmes. Eu vi e não me esqueço de “Pacto Sinistro”(Stranger on a Train) de Hitchcock, “Amarga Esperança”(They Live by Night) de Nicholas Ray, “Vida de Minha Vida”(Our Very Own)de David Miller,”Alma em Revolta”(Edge of Doom) de Mark Robson,”Encantamento”(Enchantment) de Irving Reis,”Festim Diabólico(The Rope) de Hitchcock, e “Sedução da Carne”(Senso) de Visconti(tem mais embora seus papéis não fossem muito importantes).
Granger marcou um tempo. Foi rei na RKO de e pós Howard Hughes. Seus filmes eram exibidos em Belém nos finados cinemas Moderno e Independência. Lembro do sucesso de “Vida de Minha Vida”, tanto que a sala que normalmente fazia uma sessão de tarde e duas de noite fez duas de tarde diariamente. A música de Victor Young ajudava. Ann Blyth e Joan Evans disputavam seu coração. O segredo na historia é que uma delas era adotada (sem saber). Ambas ainda vivem: Ann tem 83 anos e Joan tem 77. Não trabalham em cinema desde o século passado. Viveram uma época romântica que os filmes endossavam. Mesmo com as licenças que deram a Ann no inicio de carreira como em “Mildred Pierce”(Alma em Suplicio)onde era a vilã contra Joan Crawford. Mas a imagem que deixou foi a da sereia em “Mr Peabody and the Mermaid”(Ele e a Sereia) e especialmente da namorada que os rapazes dos 50 queriam ter.
Conheci Fraley Granger no western “Roseanna”(Roseanna McCoy) de Irving Reis, Seu 5° filme. Os anteriores eu veria depois em 16mm exceto o “The Rope” de Hitchcock. Foi um dos que fizeram a minha memória de um tempo. Samuel Goldwyn no descobriu e levou-o ao estrelato. Hitchcock gostava dele e o colocou num de seus melhores filmes, como o tenista que era convidado a trocar de crimes com um maluco interpretado pó Robert Walker.Um desses títulos que faz jus ao apelido de clássico . O que nunca fez meu gosto foi o “Senso” de Luchino Visconti que revi agora em DVD e retomei a cotação.
Mais uma estrela que sobe. O cinema de hoje não é de se contar astros brilhantes. Quem chama a atenção é o diretor. E muitas vezes o diretor é um funcionário de estúdio quem manda menos do que um ator. Manhas da fantasia.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Porradoterapia

Zack Snider, o cineasta que cometeu aquele terrível “300” e o não menos terrível “Madrugada dos Mortos”, resolveu escrever seus roteiros e com isso fazer um “filme de autor”. Para não perder o prestigio na Warner (seus blockbuster renderam o bastante para colocá-lo no altar dos diretores benquistos pela indústria) imaginou uma história em que a chance de cinema introspectivo desse espaço ao carnaval de CGI com muitos extras e a linha de vídeo-game acoplada a gibi modernoso. Saiu este “Sucker Punch” ora em cartaz. Uma salada em que entram elementos de psicologia usada para alunos do primeiro grau e muita fantasia coreografada com a técnica de vídeo-game. Pensando em cinema é como misturar “Garota Interrompida” com “Tomb Ryder”. Para isso o roteiro abre duas frentes: uma realista, seguindo uma jovem órfã e herdeira de mãe que o padrasto persegue e na hora da vingança contra ela acaba matando a mana pequena, indo por causa disso parar num manicômio com o parente vilão incentivando (a peso de dólar) a lobotomia,e uma de sonhos(o surrealismo pretenso) em que a moça procura fugir de sua situação imaginando um cabaré onde as colegas de enfermaria participam de uma jornada pela fuga atrás de 5 elementos sugeridos por um tipo misterioso. Para achar cada elemento (e lembrei aquelas relíquias que Harry Potter tem que descobrir para vencer o vilão de sua vida) as meninas (que a gente só conhece bem nos sonhos da colega e não nas camas do hospício) vivem aventuras em que os efeitos óticos tomam força.
Snider pensou que a sua proposta de visualizar sonho de mocinha agoniada casaria o cinema denso de Antonioni com o que já havia feito, especialmente aquele carná em que o conterrâneo Rodrigo Santoro desfila em carro alegórico como rei persa. Seria um modo de se mostrar intelectual e sempre comerciante. Misturou tanto que não explicou nem mesmo como as heroínas se juntaram na cabeça da colega. E se não fosse preciso isso, ou melhor, se tudo fosse surrealismo, não seria necessário o prólogo sem cores e especialmente um final “literário” em que um discurso implica na responsabilidade de todos nós pelas desgraças alheias (não é bem o obvio ululante, mas é uma pretensão irritante).
O bom é que o filme pode ser visto do principio ao fim. Engana na abertura, com a imagem contando a história, sem uma só fala. Mas quando começa as peripécias das mocinhas de gibi é pé no saco. Dá vontade da gente entrar na tela e entregar para as garotas as peças que precisam para fugir da forma de prisão. E o cineasta é tão comerciante que escolheu gurias esculturais para o seu bloco de doidinhas.
Ah sim, “sucker punch” quer dizer “porrada”. Em quem ?

quinta-feira, 24 de março de 2011

Liz

Eu vi quase todos os filmes interpretados por Elizabeth Taylor. Ainda criança assisti ao seu segundo papel: “A Força do Coração”(Lasse Como Home/1943). Ela, aos 11 anos,dividia as honras estelares com a cadela Lassie. Mas foi em “4 Destinos”(Little Women/1949) de Mervyn LeRoy que começou a chamar a atenção. Era uma das irmãs de June Allyson, Janet Leigh e a chatinha Margaret O’Brien(a única ainda viva). Foi mais evidente do que como a filha de William Powell em “Nossa Vida com Papai”(Life with Father/1947)de Michael Curtiz, um filme que eu confundo com o “Papai Batuta”(Cheaper by the Dozen/1950) de Walter Lang com Clifton Webb. Não demorou e Liz, como as revistas especializadas em divulgação de cinema comercial passaram a lhe chamar, ganhou aquela área das estrelas cinematográficas sujeitas às fofocas das Louella Pearson & Hedda Hopper em jornais norte-americanos.
Muitas vezes casada, muitas vezes interrompendo filmagem por doença, a atriz tentou provar que não era só a cara bonita das “fitas” da Metro, começando com a menina rica de “Um Lugar ao Sol”(A Place in the Sun/1949) na Paramount, obra-prima de George Stevens. Ficou na memória do espectador o beijo com Montgomery Clift focalizado em vários “takes” sem sair do close. Longe do beijo erótico de hoje, foi a síntese daquele encontro de “status”: da bela com uma fera enjaulada no preconceito por ser parente mas alijado pelo nível social.
Liz ganhou Oscar injusto em “Disque Butterfield 9”(1960) mas fez engolir seus críticos com a nada elegante mulher da peça de Edward Albee “Quem Tem Medo de Virginia Woolf”(How’s Affraid of Virginia Woolf) exemplo de bom teatro filmado (por Mike Nichols).Para o grande público foi uma Cleopatra de milhões e dolares e pouco cinema, foi a esposa de Rock Hudson em “Assim Caminha a Humanidade”(Giant/1956) e foi a Susanna sulista de “A Arvore da Vida”(Raintree County/1957) um espasmo saudosista da MGM em reanimar o cenário de “...E o Vento Levou”.
Mas a gente aplaudiu o seu papel em “Gata em Teto de Zinco Quente”(Cato n a Hot Tin Roof/1958) peça de Tennessee Williams filmada por Richard Brooks, e principalmente em dois filmes hoje esquecidos:”Os Farsantes”(The Comedians/1967) de Peter Glenville e“Cerimonia Secreta”(Secret Cerimony/1968) de Joseph Losey. No primeiro ela estava com o então marido Richard Burton, com quem casou por duas vezes, e no segundo com Robert Mitchum. Nesses exemplos estava uma atriz madura. Pena que depois disso fizesse muito pouco de bom. Antes teve o caso de “O Pecado de Todos Nós”(Reflections on Golden Eye/1967) de Peter Glenville e “De Repente..no Último Verão”(Suddenly Last Summer/1959) outra peça de Tennesse Williams aí com roteiro de Gore Vidal e direção de Joseph L. M Mankiewicz (que a dirigiria em “Cleopatra”). Sempre teatro.
Nos últimos anos a atriz limitou-se à TV. Fez séries e filmes específicos. Já no final da vida estava usando cadeira de rodas e tentando arranjar um coração que se hipertrofiava a cada passo. Morreu por causa disso. Mas já estava morando nos velhos trabalhos reprisados constantemente pelos que amam o cinema. Eu digo amam o cinema, pois entendo cinema como um prazer, jamais como um apelo masoquista.
Liz se foi fisicamente. A imagem está.

terça-feira, 22 de março de 2011

Ver e Esquecer

A lixeira está cheia. “Sexo sem Compromisso” , “Esposa de Mentirinha”, “Invasão do Mundo: A Batalha de Los Angeles”, “Vovó Zona 3” são alguns dos entulhos que os neurônios tentam queimar. Por isso cada vez vou menos a cinema. Meus programas caseiros em DVD suprem minha cinemania. E é um prazer rever o que me encantou nos verdes anos como “Neste Mundo e no Outro” ou aquele bando de filmes sobre a lua, o bastante para me recolocar no mundo da “rainha da noite” onde morei por muito tempo quando morava na S. Jerônimo, empinava papagaio num quintal com 13 goiabeiras, lia gibi e livros da coleção Terramarear, ia ao Olímpia com o dinheiro do ingresso no bolsinho da calça, comprando menta e me deleitando com a ficção que fazia sonhar sem mexer com a inteligência.
Do que vi ultimamente destaco, em tela grande, o desenho “Rango”. E em tela pequena o desenho “O Mágico”, homenagem a Jacques Tati saindo de um roteiro seu. O tipo é M. Hulot. Mas a trama é baixo astral. O compridão arranja uma garota que não liga e ela o despreza por um galã. Ele terminha num trem, cabisbaixo. Tati escreveu nos últimos anos de vida quando seus filmes estavam hipotecados e sua carreira em declínio. Sintomático. Mas ainda assim com toque de gênio.
Vi também o documentário vencedor do Oscar: “ Trabalho Interno”(Inside job). Anatomia do crime que foi a crise econômica de 2008. Didático, conta como se deu e como os atores dessa bandalheira ainda atuam. Pau nos governos americanos. Bola branca para um regime que deixa editar e ainda premia tal denuncia. Programa para políticos verem e meditarem.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Rango é o Superlativo de Django

O western é um gênero cinematográfico muito rico. Quem acompanha cinema desde o tempo em que ele não falava sabe de cor e salteado como eram os cow-boys, os bandidos, aquela “mágica” de brigar sem deixar cair o chapéu, aquelas caras fechadas que povoavam os “saloons”, o deserto ao lado (e o Monumental Valley preferido de artistas como John Ford), enfim, um relicário da infância de muita gente dentro e fora da cultura norte-americana.
“Rango” de Gore Verbinski & John Lugan é uma antologia dessa fantasia histórica. E vai além do cenário por onde transitavam Tim Holt, Gene Autry, Charles Starrett, Roy Rogers, e gente mais pé no chão como o Ringo de “Stagecoach”(No Tempo das Dilgencias”) ou o xerife que vê os amigos se esconderem quando os seus presos saem da cadeia para tirar forra (Gary Cooper segurando Oscar ). O novo filme se apega à imensa bagagem do gênero para abraçar todo o volume cine-cultural ianque, dos vilões de Frank Capra(especialmente o banqueiro paralitico de Lionel Barrymore em “A Felicidade Não se Compra”) aos vaqueiros que estiveram na Europa vestindo outra roupa e voltaram exibindo uma nova indumentária (Clint Eastwood, dentro e fora da Itália onde fez “spahghetti western”, referencia a ponto de Rango rimar com Django).
Há tanto o que ver em pouco mais de hora e meia de programa que a gente se espanta. Um enfoque do xerife na rua larga esperando o bandido, com as botas de ambos em primeiríssimo plano e um relógio de parede batendo 12 horas, é “Matar ou Morrer”(High Noon- Meio Dia). A carroça em que a mocinha dirige com ímpeto e corta o deserto lembra aquelas heroínas das tantas “caravanas de bravos”. Por sinal que esta mocinha luta por sua terra como as modernas Annie Oakley a exemplo dos novos westerns, aqueles tão maquilados que pouco deixam ver da mitologia assistida.
Interessante até mesmo como os “mariachis” cantam a chegada e saída do herói camaleônico e como este, por ser assim, exibe a facilidade de se adaptar a ambientes inóspitos sem perder a pose. Mas há novidades. Uma serpente bíblica rende homenagem ao mocinho vencedor como se a má conselheira de Adão pedisse desculpas pela história da maçã (tanto que a redenção da turma boa se dá com um beijo de Rango e Beans/Feijão a garota brava). E que pintura o pessoal de arte achou para o oeste empoeirado... O crepúsculo que se associa ao do herói, desmerecedor da bandeira do pessoal da aldeia que reza “a esperança enquanto existir água”, é não só funcional como belo. Funcional porque inicia uma fase em que o personagem decai e se levanta com o dia. Belo porque poucos desenhos animados exibiram cores exuberantes e ao mesmo tempo funcionais.
Eu normalmente não vejo filme dublado. Mas arrisquei ouvir “Rango”. E enquanto espero ouvir a voz de John Depp dei-me por feliz . Assisti a uma obra-prima de um gênero que voou alto depois dos trabalhos da PIXAR. É o primeiro filme de animação da Industrial Light & Magic. Vai dar mais, pois esta semana ficou na cabeça do “Box-office” nos EUA. Merecidamente.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Desconhecidos

O filme “Desconhecido”(Unknown) do espanhol Jaume Collet-Serra, inspirou-se no “Busca Implacável”(Taken) de Luc Besson & Pierre Morel e também em”Busca Fernética”(Frantic) de Roman Polanski. Na verdade lembra uma porrada de filmes de espionagem. O que mais interessa como diversão é o inicio, com o homem saindo do coma sem documento (devia estra também sem lenço, como no samba) e sem mulher (a dele ficou na portaria de um hotel).O pior é que passa a conhecer um cidadão que se diz ele, ou melhor, possui a sua identidade em documentos comprobatórios. Do meio para o fim o enredo vira de ponta cabeça e quem é herói passa a ter a sua quota de vilão. Mas no cinema moderno vilões são os verdadeiros heróis como bem disse o desenho “Megamente”. E Liam Neeson tem cara hibrida, pode caber muito bem nos dois papéis.
Quem busca profundidade nos filmes bate no fundo da piscina. Tudo é raso nesta aventura de Hollywood ambientada em Berlim.
Mas o que me interessa agora é que alguns filmes que estou conhecendo em DVD, assinados por queridinhos da nova critica como Todd Solonz, tentam furar a rede da “teia global”(ou “aldeia” segundo McLuhan) expondo um cenário nada agradável ao paladar ocidental cristão. “Amor em Tempo de Guerra”(Love During War)é um exemplo dessa linha. Focaliza diversas pessoas de uma família e todas primam por caracteres doentios. O marido é estuprador de todas as idades e gêneros, a mulher diz que se sentiu “molhada” quando um viúvo lhe tocou o braço, o filho mais velho precisa afirmar ao pai que não é gay nem gosta de criancinha, satisfazendo a curiosidade do “velho”sobre recessão genética, e o mais novo tem medo de ser aliciado por algum colega, perguntando à mãe como é que “se violenta homem”. Sobra a patologia de uma irmã da madame que vê os fantasmas dos homens com quem manteve relações intimas. Todos lhe pedem a vida, mas ela diz que deseja viver. O comportamento, no entanto, lembra uma bruxa de conto de fadas.
Solonz, roteirista e diretor, narra bem a sua (ou as suas) história(s). Os tipos convencem. Mas a conclusão é doentia. O grande público que se alimentou anos a fio do cinema pudico do Código Hayes, da proposta industrial que visava um circulo vicioso entre o sonho maior das massas e o consumo para que não deixe de sonhar, sente repulsa ao que vê. Seria saudável se a quebra da fantasia comercial abrisse caminho para a reflexão através de uma proposta realista. Não é o que acontece. Solonz não quer realismo: quer a idéia de que se deve duvidar de tudo, que a busca da felicidade é mais do que uma quimera: é uma infantilidade crônica. No seu modo de julgar, o adulto que vai a cinema é a vitima de um embuste capitalista que precisa refazer o seu conceito de mercadoria. Mas qual é a alternativa? O cineasta não aponta. No fim do filme a criança fala que defende a democracia, mas no momento quer saber primeiramente de seu corpo, de sua afirmação como heterossexual. Como outros tipos mostrados, quem não segue um padrão físico torna-se vulnerável a fantasmas assassinos. Uma forma de dizer que a morte persegue os tipos considerados comuns. E se entrar naquele silogismo torto de que “a vida é o conjunto e fatores que resiste à morte”. Francamente, prefiro as comédias antigas em que se brincava com fogo sem queimar ou se mascarava o mundo mesmo sem ser preciso o tecnicolor.