terça-feira, 30 de setembro de 2014

O Protetor


      Em uma das muitas semanas santas que passei no Mosqueiro quando era criança fui ao cinema que existia na vila (o Guajarino) ver “A Vida de Cristo”, filme de Ferdinand Zecca feito em 1902 e sempre apresentado nos cinemas de bairro brasileiros posto que os exibidores tinham cópias. À saída, vi um grupo de garotos comentando. Um deles foi enfático: “-Não gosto de filme em que o artista morre”. De fato, na época, acostumados com os faroestes, os meninos faziam questão da formula “artista versus bandido e o primeiro ganhando a luta”. Lembrei desse passado distante vendo agora “O  Protetor”(The Equalizer).

            Denzel Washington é McCall, ex-oficial da policia (pouco se fala disso) que está para se aposentar de serviço quase braçal numa fabrica. Afeiçoado de uma prostituta (Teri/Chloe Grace Moretz) fica puto quando sabe que a garota levou muita porrada de mafiosos russos e está em uma UTI. Resolve ir à forra. E não importa se a quadrilha é enorme, com ramificações em Moscou (aliás, a sede). Vai até lá matar o chefão. E se ganha alguns arranhões estes sanam com um pouco de mel  e esparadrapo (nova forma de band-aid).

            O filme dirigido por Antoine Foqua, cineasta negro que dirigiu Washington no filme que deu o Oscar a este,”Dia de Treinamento”(Training Day/2001), não se amofina com a inverossimilhança. O artista é o dono da bola e não pode perder um chute. Nada a ver com a ideia de que o norte-americano ganha do russo em toda linha. A Luzia pensou que ia aparecer um bandeira americana na rua, nos últimos planos do filme. Não aparece. E nem precisa. O heroi fala inglês até em Moscou e é entendido.

            Impressionante é como a forma de um filme o transmite. Ninguém deixa a sessão no meio.Uma senhora que estava na minha frente ensaiou sair. Mas era, penso eu, para urinar. O frio da sala convidava. Voltou. E quando voltou a sequencia era a mesma, McCall escondido dos mafiosos e eliminando um por um.

            OK cinema, já dizia o velho exibidor Severiano Ribeiro Junior, é “a maior diversão”. Quem ficou no meu espaço no jornal católico “A Voz de Nazaré”(onde eu estava atendo a um pedido de um jornalista amigo há alguns anos) botou o nome da coluna “Entretenimento”. All right this is entertainment”. Eu não vejo cinema assim, teimo querer mais. Mas não sou um critico chato que só gosta de filme cerebral. Gosto do que me faz gostar. Claro que não achei “O Protetor”um bom filme. Mas aguentei o frio da sala até os créditos finais. Afinal, o artista não morre...

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Filmes em DVD


            Muitas vezes, vendo os filmes de Lars Von Trier, penso como Shakespeare: “há algo de podre no reino da Dinamarca”. Felizmente vi em DVD “Departamento-Guardiões de Causas Perdidas”(The Keeper of Lost Causes na versão de exportação). Quem dirige chama-se é Mikkel Norgaard. Um “noir” de roupa antiga, a lembrar o que John Huston fazia. Um policial em fim de carreira é guinado a um departamento de processos em aberto, com a obrigação de selecionar 3 por dia para arquiva-los de vez. É aí que acha o caso de uma jovem desaparecida e se mete a investigar abrindo espaço para outros crimes que nem haviam sido catalogados.

            O filme tem narrativa direta, sem a frescura que Trier usou no que chamou de Dogma. Nada de cerebralismo, usando-se prudentemente câmera, iluminação e corte. O tipo do filme que a gente vê sempre com atenção. Mesmo porque nada apresenta de gratuito. Cada plano tem razão de ser. Isso é cinema.

            Também aplaudi em DVD “Em Busca de um Lar”(Gimme Shelter) de Ronald Krauss. E aplaudi por conta de Vanessa Hudgens. A atriz que na época da realização tinha 24 anos, faz a sofrida Apple, garota de orfanato embora com mãe viva, rebelde com causa e que procura o pai rico (Brendan Fraser) mas não se acostuma na casa dele. Grávida, acha por bem ter o filho(no caso uma filha) contra a vontade da madrasta(que mal conhece).

            Nada de melodrama. Joga uma fachada realista na cara de Vanessa, com  tatuagem no pescoço(é de verdade),piercing, fala repleta de gíria & palavrão, postura irrequieta e procurando esconder uma gravidez sem pai definido. A jovem atriz é realmente uma revelação, e curioso  que tenha vindo da musica (High School Musical), onde atua com frequência.

            Não conhecia nem Vanessa nem Krauss. Bendito DVD que traz cinema a quem mendiga cinema (nas salas de tela grande isso é exceção).

            E para terminar a festa revi “Coração Prisioneiro”(Caught) um Max Ophus(que assina Opus)americano com James Mason estreando em Hollywood e Barbara Bel Geddes como a mocinha pobre que caça um marido rico em Robert Ryan mas se dá mal._

            Este não tem ambição de sair do melo. Mas Opuls dá um show nos enquadramentos, com a profundidade de campo mostrando o que é importante na síntese por fotograma, como o enfoque do milionário ao longe, numa sala, deixando que se veja a decoração, e a garota num espaço pobre também definido pela amplidão da imagem com ela num pequeno espaço. Isto, volto a dizer, é cinema. O filme é de 1948. Vence o tempo tranquilo.

           

domingo, 21 de setembro de 2014

Um Milhão de Maneiras de Pegar Uma Pistola


      As crianças do século passado, criadas lendo gibi e vendo faroeste B, brincavam de cowboy com o indicador fazendo a vez de pistola. Era engraçado o moleque gritar “camone boi”. Hoje o gênero western saiu das telonas e pouco alcança a telinha. Depois da morte de John Wayne parece que enterraram as ossadas de tanta gente que brigava sem deixar cair o chapéu e não matava bandido(um soco era o bastante para derrubar essa turma).

            “Um Milhão de Maneiras de Pegar uma Pistola” quer ser uma parodia dos mitos do passado. Pega o bonde de um Mel Brooks e até do nosso Carlos Manga (“Matar ou Correr”). Mas se o Manga tinha Oscarito e Brooks tinha Gene Wilder, o diretor de “Ted”, aquele ursinho sacana,só tem ele mesmo, Seth MacFarlane. E quando o mocinho é mal pintado os bandidos, que possam ser, ficam a sós adiante das câmeras (o caso, aqui, de Liam Neeson).

            Seria até um embalo nostálgico ver os heróis e vilões do oeste que extrapolavam a geografia norte-americana,vestidos de palhaços. Mas o filme de hoje é mais uma homenagem do que uma gozação. E como homenagem é tímido, é a cara do tipo vivido pelo diretor.

            Não achei que o filme mereça ir ao cinema. Se fosse para ver em casa, confortavelmente, até que daria para os gastos. Ri bastante de “Ted” mas a irreverência do brinquedo falante de poucos anos atrás não foi para o Monumental Valley onde se fimou “...Pistolas”. Uma pena.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Maze Runner


O sucesso comercial de “Harry Potter”, de “Senhor dos Anéis”, de “Crepúsculo”e agora de “Jogos Vorazes” e “Divergente”levou Hollywood a explorar “ad nauseam” os filmes futuristas encenados e dedicados aos jovens. Isto veio casar com a sanha de fim de mundo advinda desde o tempo do cinema mudo. Se em “Jogos Vorazes” o resquício da civilização emprega uma caçada humana vendida pela TV e se em “Divergente’ a sociedade é dividida em grupos fechados onde cada grupo vive uma especialidade que afinal é uma fonte de trabalho, o recente “Doador de Memórias” fecha a raia dizendo que o melhor é esquecer tudo o que se fez e montar um modo de vida planejado a partir do esquecimento do passado e dos instintos. Agora chega “Maze Runner” onde um apocalipse mal delineado deixa a juventude numa clareira cercada por um labirinto onde a moçada deve se aclimatar até que se venha a saber o que se quer que se faça com ela.

Começa com um furo: o herói da historia, Thomas(Dylan O’Brien) chega na clareira usando um elevador. Ninguém mostra onde se encontra este elevador nem quando/como ele sobe. Sabe-se que sobe, pois acontece a chegada posterior de uma garota (Patricia Clarkson). Nem se vê qualquer demonstração de curiosidade do bando de moços que habitam o espaço sobre este modo de chegar ou sair do lugar (só se acha saída atravessando o labirinto e este é povoado por uma espécie de aranha gigante).

No fim da historia, que na verdade é apenas de um capitulo do livro de James Dashner,a informação é de um modo de preservar a humanidade depois do sol ter virado uma supernova e queimado a terra. Cientistas sobreviventes falam do assunto, e muitos são vistos mortos, ficando uma conselheira que aparece em projeção tridimensional.

Desta vez não se culpa o fim da civilização humana por guerras nucleares. Os enredos de coisas como “Os Ultimos Cinco”, “A Ultima Esperança da Terra” e semelhantes, vão para escanteio. Fica um fim de mundo na esteira astronômica e avançado no tempo (e surge outro furo: a previsão do sol queimar o nosso planeta, certamente quando virar uma supernova, é de milhões de ano no futuro. Quem dirá que a evolução da espécie parou nas caras atuais? Ou se ainda haverá gente no planeta?).

Mal desenvolvido, com desempenhos sofríveis e direção de arte pobre, o filme é muito fraco. E pior;promete uma continuação. Eu não irei ver. Aliás, ver cinema numa sala gelada é dose para esquimó. Prefiro atualmente, ver em casa na minha TV. Que se exiba mais merda como em trailers que passam. E muita coisa dublada, esquecendo a lei que protege os surdos e a integridade de uma obra de autor.

             

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Doador de Memorias


            A moda atual da indústria cinematográfica norte-americana é adaptar livros dedicados aos jovens e que fizeram boa carreira nas livrarias. Depois de “Jogos Vorazes” e “Divergente” chegou “O Doador de Memórias”(The Giver),este mais pretensioso na abordagem filosófica, arranhando um possível engano.

            Tudo bem que eu achei o filme bem realizado Não à toa que Meryl Streep aceitou fazer uma ponta e Jeff Bridges ter brigado para sair um projeto que estava na mira de seu pai, Llloyd, e a Warner protelou. Mas a ideia de uma sociedade pacifica embora extremamente controlada passa como uma trágica opção para os males do mundo. Reparem: no sistema político & social do filme as pessoas tomam todos os dias uma injeção para não ter memória. Daí se parte para a ausência de mentiras, a consequente inveja atiçando o ódio,a ausência de partidos, e processos bizarros como a hegemonia física a partir do nascimento, com as crianças concebidas em laboratório(ah sim, não há sexo) selecionadas por técnicos que observam do peso ao comportamento(muito choro por exemplo), e a deportação dos idosos para uma estação que ninguém explica como é que é (certamente uma sala de espera da morte).

            O doador de memórias é uma autoridade que passa por um treinamento. O treinador é um velho que consegue lembrar o passado ou o tempo antes de estabelecida a sociedade hegemônica. Ele mostra ao jovem doador como se comportava o homem com o chamado “livre arbítrio”. A morte de um elefante é dramática. Mas o pior são as guerras, os massacres de mulheres e crianças, enfim o lugar comum de um mundo que não se emenda.

            Apesar de se ver que antes era pior, o filme acaba dizendo que a atualidade é ainda mais abominável. Não passa alternativa: ou o homem aprende a viver junto com outro deixando que se molde suas ideias ou prossegue na crueldade.

            Sei lá, mas os nazistas pensavam assim. Hitler propunha um milênio de prosperidade a partir de uma Alemanha que saía das cinzas de uma guerra, atacando os “vilões” que começariam com os judeus donos das grandes industrias e bancos. Por outro lado, Stalin tentou o comunismo utópico onde se fazia um crivo social deportando ou matando os indesejáveis. No filme de agora há um plano do menino chinês defronte de um tanque, celebre momento de protesto ao governo fechado de Mao Tse Tung. Em suma: a utópica cidade & estado de “O Doador de Memórias” seria o superlativo dessas ditaduras com um resultado mais evidente posto que acobertado pela ciência (esquecer, por exemplo, é uma forma de manter a paz entre heterogêneos).

            Claro que o roteiro ou o livro original prega que o heroi da historia termina saindo deste glorioso inferno e respirando aliviado numa cabana depois de andar quilômetros no gelo(tudo metafórico). Ele carrega um bebê desprezado que simboliza o protesto ao estado de onde veio. E aí ? A namorada que fica (e escapa de ser eliminada por desobediência) pode escapar dos ditadores pois, uma vez ultrapassado um limite do mundo sem memória, tudo volta ao que era antes e as pessoas passam a lembrar de suas situações (ou aberrações).

            A ideia não tem respaldo critico e por isso é tão virulenta quanto a caçada humana de “Jogos Mortais”(uma terrível amostragem do jogo de empurra entre a caça e o caçador) e ainda os que não devem ou não podem ser diferentes em “Divergente”.

            Não é de agora que o futuro do mundo é visto na forma de pesadelo. George Orwell mostrou em “1984” a sociedade dependente de um “grande irmão” que de posse da tecnologia penetrava nos lares e punia quem desobedecesse as normas estabelecidas. No cinema houve “É Proibido Procriar”(Z.P.G./1972)onde o escritor Frank De Felitta(de “As 2 Vidas de Audrey Rose”)tratava de um tempo&espaço onde o casal estava proibido de ter filhos até que se nivelasse a população . Resumindo eu acho que poucos livros e filmes olharam o futuro como um tempo bom. A ideia é de que o homem não tem capacidade para manter um relacionamento estável com o semelhante. No fundo está o que o filme “Lucy”evocou: a capacidade dos neurônios não chega à metade do que estas células cerebrais podem produzir. Seria aquela historia de que a evolução preconizada por Darwin ainda está longe de parar. Daí os profetas do caos. Em termos de cinema é aquilo que encerra o “2001” de Kubrick & Clarke: é preciso o ser humano involuir até se transformar num feto e assim voltar à Terra devidamente produzido para ser o super-homem (não de Shuster & Siegel mas o de Nietzsche).

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Magia ao Luar


       Quando ainda está nos creditos “Magia ao Luar” denuncia que é um filme de Woody Allen. A musica, no caso “You do something to me”(de Cole Porter) diz bem da presença por trás das câmeras do fã de jazz que não despreza o seu clarinete. Depois é a ideia do agnóstico que brinca com a historia das “mesas volantes” bem faladas nos anos 1920 quando Houdini andou desmascarando os falsos médiuns.

            A trama do filme cobre um mágico que vai de Berlim a Cote D’Azur, seguindo o convite de um colega, desmascarar uma garota que se diz paranormal, comunicando-se com espíritos e falando de passado e futuro de pessoas próximas.

            WA usa Stanley, o personagem de Colin Firth, como seu alter-ego. Há um momento em que a descrença vacila. Mas é a ideia de que o amor implica em mudanças drásticas de conceitos. O que o filme não convence é como, em poucos planos, o mágico vai gamar pela mocinha (Sophie/Emma Stone). A gente fica pensando no que atraiu o incrédulo. Sophie não exibe atrativos ou é mesmo o feitiço cantado por Porter(“v, fez alguma coisa para mim”). De qualquer forma, o romance ao luar usa uma lua magra(crescente ou minguante).Isto se vê numa cena que sintetiza o tema e registra o titulo do filme.

            WA disse que ao ter uma ideia escreve essa ideia num pedaço de papel e coloca numa gaveta. Ainda não teve uma para o Brasil, mas atualmente pensa muito na Europa. Está desencantado com a America do Norte, especialmente com o cinema de Hollywood que ele, como eu, está desprezando por tantas besteira moldada em computador. A ideia de voltar à França e no tempo, cutucando o amor à primeira vista com liames sobrenaturais, deu longa-metragem. Não sei se com os atores certos. Colin é muito inglês e Emma não sabe se expressar quando farsante ou verdadeira. Apesar disso, a narrativa apressada segue a musica. Cortam-se os clichês do melodrama, sintetizam-se operações como a de Houdini, toca-se na concorrência que fantasia amizades(o caso do colega do mágico) e acaba deixando a gente sair do cinema querendo ver de novo. A primeira impressão seria de uma elaboração insuficiente de um tema sempre interessante. Mas acima disso está o estilo Allen. É o tipo de cinema que não se vê comumente.