domingo, 21 de fevereiro de 2010

O CÉU PODE ESPERAR

O cinema já mostrou diversas versões da vida depois da morte. Nem discute se isso existe: sendo matéria de atração popular, conseqüentemente de boa bilheteria, então tudo OK. A última versão do tema é “O Olhar do Paraíso”(The Lovely Bones), história contada por Alice Sebold em seu livro de 2002 que de tão sedutor para uma grande faixa de público ganhou edição brasileira:“Uma Vida Interrompida- Lembranças de um Anjo Assassinado”.
Desta vez a trama é contada pela morta. Mas nada parecido com o que o cadáver de William Holden na piscina de Gloria Swanson contou no “Crepúsculo dos Deuses”(Sunset Boulevard) de Billy Wilder Aqui a menina assassinada narra em espírito como morreu, como ficou a sua família quando soube de sua morte, e como se deixou inconformada (e por isso sem voar para o paraíso) por não ter concretizado o desejo que era ser beijada por um colega de escola.
Não conheço o livro, mas seria (ou será) interessante se analisar o que um beijo representava para as garotas de uma classe social em um tempo(o crime aconteceu em 1973). Lembra Rostand: “um beijo o que é que se não peça/ um voto que se faz mais perto/ uma promessa mais firme/ um ideal que o fato corrobora/um punto róseo no i do lábio que se adora...”
Mas o filme de Peter (Senhor dos Anéis) Jackson também fica, como sua heroína, entre o céu e a terra. Com uma enxurrada de efeitos digitais ele pinta um além que mais parece o caminho de Oz (a terra do mágico). E se desliga da vida terrena embora a câmera não a deixe, vendo a irmã de morta investigando e se arriscando na pista do vizinho “serial killer” que ela, enfim, desmascara mas fica por isso (não se sabe das medidas policiais em torno).
No plano celestial, ou na ante-sala do paraíso, estão as idéias da mocinha. Se ela está morta, se através de uma encarnação relâmpago consegue o beijo almejado, que importa o resto? O seu corpo jamais foi achado. Nós, no cinema, sabemos que ficou dentro de um cofre jogado no lixo de sucatas pelo criminoso. E o vilão jamais é preso. Morre velho, e ainda paquerador, numa queda boba que a julgar pelo degelo de uma falange de neve que desaba sobre sua cabeça pensa-se em castigo das almas que ele mandou para o além (são muitas e visíveis pela mocinha).
Uma das perguntas que se faz: se Susie, a morta, não decolava por causa de um beijo, qual o problema das suas colegas de infortúnio, que estão no limbo como ela? E que aconteceu com a investigação de um detetive amigo da família que vivia perseguindo quem tentasse abelhudar a vida do vizinho malvado?
Muitas perguntas ficam sem resposta. O filme empaca por não assumir a identidade sentimental de “Ghost” ou cair no carnaval de “Amor Além da Vida”. Tampouco flerta com o espiritismo e visa olhar um céu católico. É um meio termo como aquele outro limbo que dizem ser a casa das crianças não batizadas que os antigos cristãos descreviam como incapazes, por si, de acesso a Deus.
Jackson perdeu a bola. Seu filme só tem uma vantagem: não é chato. Vê-se com atenção e até por isso se percebe os furos.Dai a culpar o romance, só lendo. Mas cinema não é ilustração de texto. Há de se recriar. E aqui parece que se recriou para pior. (Pedro Veriano)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Os Monstros da Universal

Na virada do cinema mudo para o sonoro, Carl Leammle, fundador da Universal Pictures, dono de um circuito exibidor distribuído pelos bairros de Los Angeles, deu de presente ao filho,Carl Leammle Jr, a produtora da empresa. Os filmes que eram feitos até então de forma extremamente barata serviam para suprir as salas de ingresso popular, herdeiras dos “nickelodeons”(cinemas que custavam um níquel de ingresso). Junior foi mais pretensioso. Animado com o sucesso de “Sem Novidades no Front”, rara produção classe A da Universal, que acabou ganhando o Oscar de 1929/30, ele resolveu produzir uma série com base em monstros da literatura. Contratou cineastas como James Whale e Tod Browning e atores despontando como Boris Karloff e Bela Lugosi, e fez “Frankenstein”, “Dracula”, “O Homem invisível”, todos com seqüências, e “O Lobisomem”. Este último foi o que mais puxou dinheiro de orçamento. Atores já famosos como Claude Rains, Ralph Bellamy, Maria Oupenskaia e Warren Williams foram chamados para contracenar com Lon Chaney Jr, filho do ator característico denominado “o homem das mil caras” por tantos papéis que escondiam a sua fisionomia. O filme, dirigido por George Waggner de um roteiro do então calouro Curt Sidomak(mais tarde diretor de ficção-cientifica e aventuras locadas em cenários exóticos, chegando a vir à Belém filmar duas barbaridades: “Curuçu”(1956) “Escravo do Amor das Amazonas” (1957) foi o pior da safra. A lenda cigana de que uma pessoa mordida por um lobisomem, ou homem que se transforma em lobo, vira lobisomem em noite de lua cheia. Claro que Siodmak enxertou elementos nessa lenda, como a bala de prata para matar o bicho. Mas a história, muito pobre, não chegou à quimica dos outros monstros. Melhor foram a comédias que viriam do personagem, de “Um Lobisomem Americano em Londres”e até mesmo a uma das menos ruins da dupla Abott & Costello: “Bud Abott e Lou Costello Às Voltas com os Fantasmas”.
Esta volta ao tema, dirigida por Joe Johnston, revela a picaretagem em torno. O roteiro do primeiro filme já fazia parte do acervo da produtora, e bastou fazer umas mudanças (processo mais barato de tocar o projeto). Passou-se a dar mais explicitude ao filho que vira bicho pois o pai já é bicho e a mãe foi vitima desse bicho. Fica uma aberração moral: marido mata a mulher e um filho, filho mata o pai e quase mata a namorada. O que sustenta a tragicomédia (pois a sangueira dá para rir) é a fotografia de Shelley Johnson com toques expressionistas e a direção de arte de John Bust, John Dexter e Phil Harvey, Essa turma soube pescar um “design” gótico, fabricando um palacete com ares de assombrado e um campo coberto de gelo seco que encobre o que pode do lobisomem aquém da tecnologia moderna.
Os produtores podiam muito bem refilmar “O Homem Invisível”. Mas com humor. Até os outros monstros ganhariam com injeções de riso. Mel Brooks brilhou com o seu “O Jovem Frankenstein”. Hoje em dia, como provou Peter Bogdanovich no seu “Na Mira da Morte”(Targets), os monstros mais assustadores são os assaltantes, psicopatas assassinos, filhinhos de papai que se armam, se dorgam e saem matando adoidado. Os velhos monstros, como diz Karloff no filme do meu xará, pedem penico. O mundo ficou assustador de outro ângulo. Cara feia não mais assusta.
] “O Lobisomem”2010 é um abacaxi vistoso. Só. (Pedro Veriano).

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Entre a História e a Saudade

Quando eu vi pela primeira vez “Aviso aos Navegantes”, cursava o ginasial do Colégio Moderno.A repercussão do filme, na minha turma. eu qualifiquei de explosiva. Um colega, meu amigo até hoje, Agostinho Barros, imitava Oscarito com perfeição e aproveitou o filme para reproduzir falas como “...é tanto tango, tanto tango, eu quero é samba, gafieira, trabalhar em Madurera, passear em Niteroi, sabe lá o que é isso ?”. Ele era fã declarado do comediante indispensável nas melhores chanchadas (como a critica chamava os musicais carnavalescos em tom pejorativo). Quando Oscarito veio à Belém com uma de suas peças (ele e sua família também faziam teatro),não se conteve em ir vê-lo no nosso Da Paz e foi ao camarim cumprimentá-lo. Eu fui de reboque. Lembro do ator limpando a maquilagem e agradecendo os nossos cumprimentos. A gente vivia o clima de festa do interior que esse tipo de cinema endeusava. O mundo parecia ingênuo embora tivesse saído de uma guerra sangrenta. Mas aqui no Brasil, especificamente em Belém do Pará, as coisas se comportavam de forma cavalheira. No carnaval existiam as “batalhas de confeti” nos bairros, quem tinha carro fazia o corso na Praça da República, não havia medo de sair na rua de sujo com a cara pintada sem ser protesto politico-partidário, os romances tinham campo nas sessões de cinema, o sexo antes do casamento era copyright da zona do meretrício, os denominados palavrões eram restritos à área masculina (assim como o fumo), enfim, qualquer deslize de comportamento ganhava coluna de jornal (havia a especialista “Vozes da Rua” da Paulo Maranhão na “Folha Vespertina”), e o vicio maior era o álcool, embora o porre ganhasse status em canções, peças e filmes como “O Ébrio” de Vicente Celestino.
Quando eu constato que “Aviso aos Navegantes” está fazendo 60 anos estremeço. Meus amigos do tempo da estréia do filme, assim como meus parentes, minha casa,a maioria já se foi. E o tempo que passou parece ter sido acelerado,hoje se falando de “antigo” com a data dos anos 80. Mas nos 80 esta chanchada que ora se reapresenta já somava 30 anos. O ator Anselmo Duarte morreu ano passado depois um período com Alzheimmer. A sociedade mudou tanto que a História com “h” maiúsculo é mais uma anedota. E se o riso volta, volta embalado em saudade.Talvez os jovens de agora nem cheguem a rir, ou a entender o que se queria que fizesse rir. Mas quem viveu o período da ação filmada sente duas vezes a emoção, ou seja, torna a achar graça até por um dia ter achado. É um encontro com o passado que irmana risos e lágrimas na constatação de que aquilo passou. Foi engraçado, mas passou.
Cinema é uma arte mágica por renovar emoções. Na literatura você constrói no cérebro as imagens do que lê. Na musica você lembra o que a melodia construiu, Mas no cinema são as imagens que reaparecem e testam a sua memória como um documento vivo. Tudo que está no filme esteve. E já foi conjugado no presente do indicativo. Um milagre rever seres humanos que já não são. Essa é faculdade primordial de uma técnica que sublima valores. Por isso, pela poesia resultante do reencontro, as chanchadas escapam da critica feroz. São aquelas silhuetas na paisagem faladas noutro filme.
É por esse processo de revitalização do cinema que se deve dar valor aos técnicos que restauram filmes antigos. Eles são os doutores do tempo. Merecem os aplausos de todos os que gostam dessa arte edificada por tanta gente, dos Lumiére a Edison,de Daguerre aos computadores modernos.
Aviso, portanto, aos novos navegantes: fiquem o leme na direção de onde vai passar o filme sessentão. É o baú dos ancestrais.(Pedro Veriano)