segunda-feira, 17 de agosto de 2009

E Que Tudo o Mais Vá Pro Inferno

O que mete medo em cinema? Cara feia? Acordes súbitos para acordar os dorminhocos? Hemorragias? Fantasmas? Monstros? Tudo isso e mais uns trocados? Pode ser. Do bando de filme do gênero que eu vi em mais de meio século de cinemania, o único que me deixou insone foi “O Solar das Almas Perdidas”(The Uninvited/EUA,1943) de Lewis Allen.Revendo-o na televisão acho que teve algum problema colateral na sessão em que eu estive (no meu cinema caseiro, o Bandeirante, por volta de 1951 ou 52). Nunca esqueci a seqüência em que Ray Milland enfrenta um espírito que se materializa, atirando na direção dele um castiçal com cerca de 3 velas. A nuvem no topo de uma escada vai deixando que se veja a forma física da madrasta da mocinha, Rosalind Russel.
Nunca me espantei com os filhotes de Dracula, os descendentes da “Criatura” do dr. Frankenstein ou poltergeists diversos, mesmo aqueles taradinhos que transavam com Bárbara Hershey em um filme interessante de Sidney Furie (“Enigma do Mal”/The Entity). O melhor terror cinematográfico, tenho em conta, é o que faz rir. Pelo menos a mim. Por isso gostei de “A Noite do Demônio” de Sam Raimi. Aquele movimento louco de câmera a chegar numa cabana onde os mortos-vivos chegam para pegar Bruce Campbell era hilário. E os defuntos móveis, caindo aos pedaços, imprimiam um tom bizarro, uma farra no macabro.
Raimi, um fã desse gênero de filme, tirou uma folga da pré-produção de “Homem Aranha 4” para fazer este “Arrasta-me Para o Inferno” ora em cartaz. Quase acerta o tom. A cara da bruxa que vê negado o seu pedido de financiamento para continuar pagando na hipoteca de sua casa é digna dos zombies de “A Noite...”. O problema é que o roteiro de Raimi e seu mano Ivan possui uma espécie de moral de fabula. A bancária que nega o pedido da velha é a vilã e a vitima. Vilã porque nega auxílio à uma pobre velhinha desamparada. Vitima porque sofre a maldição de acabar no inferno do titulo quando o “happy end” está perfeitamente arrumado.
O que se quer é brincar com o medo. Mas nem o medo nem a brincadeira são eficazes. Tudo é muito temperado, muito ajeitado para assustar os assustáveis. Nunca é um filme daqueles que um amigo definia como o que “arrepia pentelho de recém-nascido”. Mas é o bastante para dissipar o sono de quem está aproveitando a sala refrigerada do cinema para uma soneca. Resumindo: não dá para rir nem para chorar.
Ah sim: os acordes são constantes. Uma sinfonia de tons agudos que castigam os tímpanos. Para uma brincadeira de férias é o que basta. (Pedro Veriano)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Quem é o Pai do Cinema ?

Nos livros de história da cinematografia atribui-se a paternidade do cinema aos inventores do cinematographo, o aparelho que projeta imagens em movimento: Louis e Auguste Lumiére. Mas nos mesmos livros aprende-se que foi David Wark Griffith o primeiro a explorar os efeitos da linguagem cinematográfica, ou seja, quem valorizou cada plano e cada movimento de câmera. Fica a escolha do freguês: pai é quem concebeu ou pai é quem criou?
De Griffith em diante a narrativa por parte de um filme aninhou-se no inconsciente coletivo e não tardou a que se raciocinasse em termos de cinema. É mais ou menos assim: quando você está na sala escura à mercê das imagens projetadas começa a perceber a ação de forma que o objeto mais perto da tela seja o de maior interesse e o mais distante o contemplativo. Também percebe, sem chegar a ver que o mexer da objetiva joga a ação de um lado para outro, como a trama é conduzida, tudo porque se corta e se emenda as seqüências dentro de uma linha que conduza o que se vai contar (isto se chama montagem e é a alma do negócio).
Hoje interessa saber como o cinema em seus mais de cem anos, viu a figura paterna. Não os seus pais, mas o de outros em dramas e comédias.
Eu custei a chegar a um consenso e naturalmente tive de apelar para a memória. Foi melhor do que clicar o google para ler artigos de “n” pessoas sobre o assunto.
Em “O Garoto” Carlitos (Charles Chaplin) é o pai adotivo de Jackie Cooper. Dedica-se a ele inteiramente e chora ao reencontrá-lo depois de uma aventura que por pouco não os separava de vez. O público tende a chorar com ele.
Nas duas versões de “The Way of All Flesh” (a mais conhecida chamou-se no Brasil “Seu Único Pecado”), o pai faz-se de morto para não envergonhar a família e, mendigando, vai ver o filho (de longe) na noite de Natal.
O pai (Lamberto Maggiorani) persegue pelas ruas de Roma o ladrão de sua bicicleta, sempre acompanhado do filho(Enzo Staiola).(“Ladrões de Bicicletas” de Vittorio De Sica).
O velho pai (Victor Moore) é separado da mãe (Beullah Bondi) pelos filhos que dizem não poder abrigar o casal quando eles são despejados de sua casa (“A Cruz dos Anos” de Leo McCarey filmado depois pelo cinema brasileiro como “Em Família”, de Paulo Porto).
Clifton Webb é o pai rigoroso, mas adorado pelos filhos(“Nossa Vida com Papai”).
James Stewart é o pai de dois casais de crianças que rezam por seu destino numa noite de Natal (“A Felicidade Não Se Compra”, de Frank Capra).
Lionell Barrymore é o patriarca de uma família que faz o que quer em “Do Mundo Nada Se Leva”, também de Capra.
Em “A Sombra da Forca” de Joseph Losey o pai(Michael Redgrave) deixa se matar para livrar o filho de uma sentença de morte.
Para salvar o filho picado por um escorpião, Pedro Armendariz caminha desesperado com a esposa e o menino ferido atrás de socorro (“A Perola”)
A filha chora ao constatar de que o pai é um “vigarista” a ponto de chegar a falsificar remédio (“A Trapaça” de Fellini).
Dois pais sertanejos que migram com a familia: o de “Vidas Secas” que Nelson P dos Santos fez do livro de Graciliano Ramos e o de “O Caminho das Nuvens” de Vicente Amorim.
O pai nazista que sofre quando o filho vai para o campo de extermínio seguindo um amiguinho que conhece pensando que se trata de um garoto morador em uma fazenda (“O Menino do Pijama Listrado”)
E Gepetto, o pai de Pinocchio que chega a ser almoço de baleia? E o ogro Shrek que ensina os filhos a tomar banho de lama ? E o pai do príncipe que briga com o seu funcionário para que Cinderela atraia seu filho e seja boa mãe ?
Cada gênero cinematográfico apresenta em sua história um papel de pai. Certamente de mãe é maior, mas há muito pai projetado a cativar corações e mentes. A todos a homenagem pela data, reforçando a tese de que o pai muitas vezes é quem inicia o filho no fascínio que é ver cinema. (Pedro Veriano)

sábado, 1 de agosto de 2009

CINEMA ENDIABRADO

Há uma anedota em que uma jovem, ao sair de uma festa alta hora da noite, é assediada por um cavalheiro bem vestido que se identifica como o diabo. Ele pede que a moça não resista a um estupro. Ela atende com medo dele. Quando termina a transa ele pergunta a idade dela. Ela, trêmula, diz que é 16 anos. Ele continua se vestindo e, mudando o tom da voz: “-Com 16 anos você ainda acredita em diabo?”
Essa história parece ser a favorita pelos produtores, distribuidores e exibidores de filmes em que a formula se alimenta de sexo e violência. Eles advogam que o mundo é assim, que o mundo é cão, que Augusto dos Anjos estava coberto de razão ao declamar: “Acostuma-te à lama que te espera/ o homem que nesta terra miserável vive entre feras/ sente inevitável necessidade de também ser fera.” Mas ninguém em sã consciência quer deixar este mundo. E não se diga que as pessoas são visceralmente masoquistas. A dor incomoda. Se não incomodasse não se tomava analgésico.
Não vejo arte em filmes que exibem, por exemplo, em “ralenti” (câmera lenta) massacres diversos. Aquilo que Sam Peckinpah mostrou em “Meu Ódio Será Tua Herança”(The Wild Bunch) é uma pirotécnica da maldade, uma ode à fera interior das pessoas (Joseph Losey tem um filme sobre psicanálise que se chama no original “The Sleeping Tiger”, ou “O Tigre Adormecido”. Mas estas figuras animalescas liberadas do inconsciente é patologia).
Hoje a moda é explicitar o que antes era sugerido. Na sugestão, a violência mascara-se de artifícios galantes que merecem analise. O sexo também. O que é mais erótico: sugerir, como antes se mostrava um casal encaminhando-se para um contacto intimo ou uma exposição detalhada do coito? Um olhar de um bom ator ou boa atriz diz mais do bem e do mal interior. É preciso que se tenha em conta que o cinema não é um monologo para uma espécie de Robinson Crusoe. E é preciso que se tenha em conta a inteligência de quem vê cinema. Mesmo sabendo que as cabeças pensantes das platéias divergem não só sob o ponto de vista cultural como fisiológico. Subestimar o endereço da obra de arte acaba sendo uma atitude pedante.
Odeio a censura, mas desprezo os filmes que se acomodam no registro puro e simples do que de pior possa existir no gênero humano. (Pedro Veriano)