segunda-feira, 27 de março de 2017

Neruda

Neruda,o filme, apresenta em primeira instancia a perseguição do poeta Pablo Neruda(Nobel de Literatura em 1971) pelo investigador Oscar Peluchonneau,uma espécie de Javert atrás de Jean Valjean como pintou Victor Hugo no seu “Les Miserables”.
Na Historia, com H maiúsculo, o Partido Comunista chileno e seus filiados foram perseguidos pelo governo de González Videla dentro da conhecida por  Ley Maldita,  apoiada na perda de direitos políticos, prisões e torturas como de praxe nos regimes ditatoriais (aconteceu no Chile e mais tarde em muitos países latino-americanos inclusive o Brasil).
 Neruda (interpretado por Luis Gnecco) é, no roteiro de Guillermo Calderon, um boêmio em certas horas, um politico comunista que chegou a ter cadeira no parlamento, e um tipo burguês apesar do apego idealista que mesmo assim tem capacidade física de se embrenhar no mato(é o termo)para fugir dos inimigos. Nada, a exceção do tipo físico, ao que se viu na pele do ator Pilippe Noiret em “O Carteiro e o Poeta”. E quem conhece a verdadeira biografia de Neruda acha uma aberração.
O cineasta Pablo Larrain vem se especializando em cinema politico. Pelo menos dois de seus trabalhos mereceram aplausos: “No”, sobre o plebiscito que pediu a saída de Pinochet do governo chileno, e “O Clube”, enfoque da pedofilia focalizando padres que atacaram crianças, reunidos em um retiro onde um elemento do alto clero tenta mudar suas atitudes. Abordagem muito mais densa do que no premiado “Spotlight”. Em “Neuruda” o cineasta segue a linha politica, mas no prisma histórico, tentando dimensionar um poeta internacionalmente famoso como pessoa física no cenário de terror que seguiu a sua própria atuação no governo de seu país.
A meu ver o que faltou na dosagem foi o roteiro. Não se sabe muito do Neruda proscrito do governo e de sua face “domestica”. O enfoque maior é a perseguição pelo policial que se mostra obsessivo  (bom trabalho de Gael Garcia Bernal). Tanto que a câmera se detém no cadáver do que seria o vilão, e mesmo deixar que se veja Neruda adiante do morto com um ar de piedade (e seria este o proposito ?).
Larrain deve prosseguir na sua obra dirigida aos dramas históricos de sua terra. A gente que pouco vê do cinema chileno tende a aplaudir. Mesmo que em casos como “Neruda” deixe alguns espaços vazios.


domingo, 26 de março de 2017

Fragmentado

A ultima personalidade do tipo criado por M. Night Shyamalan para seu filme “Split”(Fragmentado) chama-se Fera. Encontraria a sua Bela na jovem Casey  que ele sequestra juntamente com duas colegas dela. Não seria o “príncipe encantado” de Mme Leprince de Beaumont, como a moça não seria a jovem cândida que pedia ao pai uma rosa. Mas seria o desencadeador de um processo que tenta se amparar na psicologia, envereda pelo misticismo e acaba sendo um fecho de charada que nem sempre funciona a quem se dispõe a decifrar.
                Basicamente o argumento do próprio diretor (assim como o roteiro) enfoca um psicopata com múltiplas personalidades produto de um trauma na infância. A vitima preferida, digamos assim, também é uma pessoa violentada no passado. A historia mistura a trama de muitos filmes sobre sequestradas (os) com alguns casos clínicos de multipersonalidade a maneira do que se viu no cinema em “As 3 Mascaras de Eva”(Three Faces of Eve). Neste segundo plano entra absurdos como uma psiquiatra que não mede o perigo que cerca o relacionamento com um cliente difícil e como ela acha que pode domar sua ferocidade numa ação tardia (um bilhete em desespero quando cita como formula de apaziguar a personalidade violenta chamando-a pelo nome de batismo).  Isto sem falar na pouca profundidade de se medir o caráter de Casey, a mocinha mais evidente do trio prisioneiro(alguns flashbacks tentam dizer quem é quem e como a Bela enfrentará a sua Fera).
                O filme sempre é curioso, sempre mantém a atenção, mas se for analisado nas diversas formas que convida à sua leitura, inclusive a médica, é desastroso. Mas a verdade é que o objetivo não é discutir psiquiatria nem ir ás ultimas consequências de um aproveitamento metafórico de uma fabula. É mesmo um exercício de estilo mui caro ao diretor, um cineasta que ama o cinema instigante, cutucando ideias, sem necessidade de explicar como as coisas se portam em suas origens.

                Shyamalan pode não ter feito mais filmes do nível de seus dois primeiros (“O Sexto Sentido” e “Corpo Fechado”), mas não deixa de filmar enredos fantasiosos ou estranhos à produção comercial padrão. No caso deste novo trabalho louva-se em especial o trabalho do ator James McAvoy, É um grande esforço suas expressões corporais ilustrando as diversas personalidades que se lhe atribui. E deve se ressaltar um final que pode parecer enigmático. Muita gente saiu do cinema contando epílogos diferentes. Se não é um gol do autor é um tiro na trave. 

segunda-feira, 20 de março de 2017

Replay

 Há um momento neste “Kong, A Ilha da Caveira” em que o gigantesco macaco tira do fundo do rio a mocinha(que mostra um folego extraordinário), segura-a na mão esquerda, luta contra um animal alado e ainda assim consegue deixar a garota em perfeita saúde no devido chão. No Kong de 1933 concebida pela dupla Merian C.Cooper e Ernst B. Schoedsack, a heroína está acanhada no alto do edifício Empire State, então o mais alto do mundo, enquanto o macacão,seu raptor, enfrenta aviões que lhe metralham. Hollywood se repete estimulada pela bilheteria. É obvio posto que o cinema industrial vive do que vende. Mas é também observável que a imaginação gera frutos. Infelizmente os grandes roteiristas imaginativos como Richard Matheson, já não estão neste mundo. Resta as franquias. Repete-se ou continua-se o que já se viu. O novo Kong é isso. Começa tocando na guerra do Vietnam e focaliza um bando de helicópteros a lembrar “Apocalipse Now”. Até aí nada de novo na tela. E passa-se à uma expedição que encontra a tal Ilha da Caveira onde moram criaturas pré-históricas, todas perdendo em altura para o Kong que bate no peito como quem diz: “-Ninguém é melhor do que eu”.
                Nada no filme escrito por Dan Gilroy e Borenstein e dirigido por Jordan Vogt Roberts é novidade. Basicamente é a historia de Bill Randa (John Goodman)  membro de uma organização secreta que convence um senador dos Estados Unidos a patrocinar uma expedição. Segue a Guerra do Vietnã, e o Coronel Packard (Samuel L. Jackson) oferece ajuda aos cientistas, comandados por James Conrad (Tom Hiddleston) e a fotógrafa Mason (Brie Larson) na busca de elementos interessantes na área da antropologia (?), chegando ao ninho dos dinos e do ilustre símio que em CGI parece bem maior do que aquele que a RKO distribuiu em stop-motion nos anos 30.

            Nos cinemas o filme chega em 3D para o macaco se expandir. Mas o espectador inteligente deve ficar mesmo em casa. E o pior: no ultimo plano deste novo filme o macaco só falta dizer; “-Eu voltarei”. E a câmera “morre”no olho dele. Isto quer dizer uma nova franquia. Já se fala em novo embate de Kong com Godzilla. Eles se encontraram antes em filme de Ishiro Honda(1963).E daí ? Há quem pague para ver.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Elis

 Os cantores estão bem biografados em cinema. Lembro de Luiz Gonzaga e de Tim Maia. Agora é a vez de Elis Regina. O filme “Elis”, de Hugo Prata com roteiro de Luiz Bolognesi, Vera Egito e do próprio diretor, conta bem a historia da mocinha gaúcha que vai com o pai tentar a sorte no radio do Rio de Janeiro. Certo que apressa o andor e deixa que se veja apenas alguns problemas enfrentados, especialmente o seu papel na época do governo militar quando chega a cantar para soldados depois de uma intimação que poderia prejudicar sua carreira(“afinal”, disse ela, “Maurice Chevalier cantou para os nazistas”).
                O filme não seria o que é se não fosse o empenho da atriz Andreia Horta. Até no sorriso ela lembra Elis. Dubla algumas musicas e expressa bem os traumas sofridos pela biografada, especialmente seus relacionamentos com dois homens.
                Narrado linearmente o trabalho do diretor mostra-se capaz de expor o talento da “pimentinha” que deixou marcas profundas na mpb de um tempo. O filme já existe em dvd e bluray e hoje se pode fazer uma coleção de obras cinematográficas que tratem de figuras da musica popular brasileira(só a abordagem em Noel Rosa é que ficou muito ruim).

                Exibido com sucesso nas salas comerciais de Belém, “Elis” vai agora ficar um mês em cartaz (só aos domingos) no Cine Estação. O problema é que foi muito visto. Não deve dar publico. E a meta agora de quem está programando o cinema da sala Maria Sylvia Nunes é mostrar títulos nacionais atrativos. Acabou o espirito de “sala de arte”. Uma pena.

A Bela e a Fera de Cocteau

                A melhor adaptação do conto de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont “La Belle et la Bête”(A Bela e a Fera) foi a do poeta Jean Cocteau em 1946, filme que teve roteiro, diálogos e “décor”dele com direção de René Clement(mestre em “Brinquedo Proibido”/Jeuxs Interdits).Jean Marais, companheiro de Cocteau até sua morte, fazia “Fera”, e Josette Day “Bela”. Curioso é que no elenco está Mila Parély(1917-2012), atriz que se casou com o ator e ficou casada por dois anos mesmo sabendo de sua homossexualidade.Ela faz o papel de Félicie uma das irmãs de Belle.
                O grande filme de Cocteau vem à baila quando chega às telas internacionais a nova versão feita pelos estúdios Disney, exemplar de uma série que esse estúdio está produzindo a partir de seus filmes de animação(e eu não gosto de sua “Bela e a Fera”, desenho que exibe até erros de perspectiva). Não vi o novo filme e não sei se vou ver. O clássico de Cocteau é tão envolvente que não deixa espaço para semelhante na memoria do espectador. Eu o vi com 12 anos e daí em diante o revejo com frequência e sempre admirando o conjunto da obra.

                “A Bela e a Fera “soma com “Orfeu”(1950)entre os melhores filmes de Jean Cocteau. Pena que ainda não tenha chegado ao bluray e a edição em dvd já é antiga, sujeita ao desgaste natural do processo.  Mas se conseguirem uma copia, vejam. Sempre vale.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Fome de Poder

 “Fome de Poder”(The Founder)pretende contar a historia de Ray Krock, um modesto vendedor que descobriu o restaurante dos irmãos McDonald e impressionado com o serviço que imprimia rapidez de atendimento, convenceu os donos da casa a criar filiais em outras cidades, acabando por inaugurar McDonalds em muitos estados norte-americanos e até mesmo assegurar para si o nome da rede de refeições rápidas, desbancando os próprios fundadores.
                Krock morreu aos 81 anos em 1984. A historia de sua vida ganhou um roteiro para cinema escrito por Robert D.Siegel (de “Turbo”)  e direção de John Lee Hanckock (de “Disney nos Bastidores de Mary Poppins”). Evidentemente a trajetória do biografado ganhou realces hollywoodianos e chance para Michael Keaton mostrar talento. Mas o resultado não deixa de ser uma aula da maquina capitalista, de como o capital suga até mesmo direitos adquiridos.
                O filme chegou a ser cogitado para figurar entre os candidatos ao Oscar. Não deu, e certamente não tinha capacidade de chegar ao pódio das produções do ano. Também não é comercial no aspecto amplo. A chegada até aqui se deve, certamente, ao distribuidor que exigiu lançamento amplo. Mas eu não creio que vá agradar muito. Vale por Keaton e pela lição de como fazer fortuna mesmo por cima dos outros. Na realidade Krock, ao morrer, deixou para os herdeiros cerca de 50 milhões. Descendentes de sua terceira mulher, Joan(morta em 2003), devem ter permitido o texto que deu margem ao filme. Afinal, o empresário esperto é o mocinho da historia. O problema é que a narrativa não entra em detalhes de como ele foi ficando rico. Há elipses que não devem ter sido cogitadas no plano real. Mas em tese é essa trama de ganhar dinheiro, e especialmente de como se pode passar a perna em quem tenha dado a ideia de construir a riqueza.
                Um filme menor com um desempenho de bom nível. Keaton precisava disso depois de “Spotlight” e em trabalhos menores que hoje somam 78 a contar com 3 inéditos.


segunda-feira, 6 de março de 2017

Silencio

No século XVII dois padres jesuítas viajam para o Japão em busca de seu mentor, padre Ferreira, ha muito desaparecido. Na região onde procuram o religioso sabem que o cristianismo é tido como ilegal e os que processam esta fé são executados.
O filme “Silencio”(Silence) é derivado de um livro de Shûsaku Endô com roteiro de Jay Cocks e do diretor Martin Scorsese.Este ultimo, de formação católica, desejava levar ao cinema o texto japonês desde a época em que filmou “A Última Tentação de Cristo”, roteiro de Paul Schrader vindo de um livro do grego Nikos Kazantzakis.  Mas o projeto era muito caro e não interessou aos grandes estúdios de Hollywood. Ousou agora, com verba própria, arriscando prejuízo pois o custo foi de  $40.000.000 (estimado)e a renda nos EUA  só chegou em fevereiro a $7.079.191.
         Liam Neeson faz o padre desaparecido. Andrew Garfield e Adam Driver os que o buscam. Nessa viagem tormentosa os personagens testam a sua fé, ou a sua capacidade de pelo menos esconder dos algozes a sua crença.
         O trabalho árduo de Scorsese gasta na tela quase 3 horas. Não é fácil de ser visto. Mas o objetivo, ou seja, a luta pela manutenção da crença em Jesus Cristo, é conseguida especialmente através dos interpretes (todos corretos). Só Liam Neeson tem pouco a fazer (mesmo porque aparece pouco).
         Scorsese filmou em locais que tem a ver com os acontecimentos narrados e usa tonalidades que emprestam o necessário tom emocional que preside as situações. Não chega, contudo, a discutir com mais rigor a questão da vulnerabilidade da fé, embora não repita as cenas de martírios e mártires que se viu em filmes do gênero.
         “Silencio “é um esforço de cineasta-autor, e se não chega a excelência deve-se, por certo, à uma maquiagem da Paramount para  que o filme ficasse mais acessível ao grande publico. Nota-se esta maquilagem, mas se compreende no esforço do diretor em concretizar um velho projeto. Ou sonho.
         A exibição brasileira está marcada para o dia 9/3. Milagrosamente chega à Belém. 
  

A Grande Muralha

                Custa a acreditar que Zhang Yimou, diretor de filmes marcantes como “Lanternas Vermelhas”(e eu lembro  Gong Li, a atriz que o amigo Alexandrino Moreira passou a chamar de “minha namorada”)tenha feito este “Grande Muralha”(The Great Wall) ora em cartaz internacional.
                O filme é vendido como o mais caro feito na China. E é mesmo um blockbuster de Hollywood  Não à toa a presença de Matt Demon, nas primeiras cenas barbado, fazendo um europeu de fala inglesa que busca pólvora na China de um passado distante, logo barbeado pois é com a cara do jovem “perdido em Marte” que vende o espetáculo.
                Um apanhado de sequencias de batalhas entre chineses e monstros que atacam a muralha do titulo, com muitas personagens fabricadas em computadores, preenche pouco mais de hora e meia (e isso é uma vantagem pois seria um saco ver o filme com mais de duas horas de projeção) , enche a tela. Chega a haver um flerte entre o tipo encarnado por Dammon e a guerreira Lin Mae(Tian Jing). Mas nada às ultimas consequências. O engraçado é que Williamm (Demon)é um americano que salva chineses preferindo lutar ao lado deles a fugir com o colega Tovar (Pedro Pascal) levando pólvora em mochilas. Nada convincente como as próprias lutas onde chega a se ver um embate aéreo com mocinha e mocinha dependurado em balão castigando os inimigos de cima para baixo.

                Zhang Yimou tem 65 anos e no currículo 61 prêmios por 30 filmes. Não é o bastante para sua ambição mais comercial que estética. O problema é que este seu espetáculo de agora vai mal nas bilheterias americanas. E foi feito para faturar por lá. Ganharam os monstros. Perderam os espectadores.