sábado, 30 de setembro de 2017

Adorável Vagabundo

A historia de Richard Connel (1893-1949) “Encontre John Doe”(Meet John Doe)serviu ao filme que Frank Capra realizou imediatamente antes de ir para a Europa filmar documentários da série “Why We Fight”trabalho que justificava a presença norte-americana na 2ª. Guerra Mundial. Curioso, de entrada, é que Capra era italiano (Francesco Capra) e abominava o fascismo de Mussolini, lutando com suas armas (o cinema) contra a prepotência que se instalou especialmente na Alemanha e Itália. Quando realizou “Adorável Vagabundo”(Meey John Doe)em 1941 havia contabilizado o sucesso de seus trabalhos nitidamente socialistas: “O Galante Mr Deeds”(Mr Deeds Goes to Town/1936) e “A Mulher Faz o Homem”(Mr Smith Goes to Washington/’1939)este ultimo abominado pelo pai dos Kennedy, lutando para que o filme tivesse exportação proibida e com isso inviabilizado no páreo do Oscar(mas acabou ganhando o premio de roteiro). Seria uma resposta à direita poderosa na América de então a ponto de precisar acontecer o bombardeio japonês em Pearl Harbor para que o país entrasse no conflito contra o chamado Eixo (e no caso não só Alemanha e Itália mas também o Japão).
                John Doe é numa tradução brasileira “Zé Povinho”. Nome do homem comum.Na historia, uma jornalista (Barbara Stanwick) estava em compasso de desemprego e achou de se despedir colocando na sua coluna de jornal uma falsa carta de um homem do povo que dizia estar propenso ao suicídio como forma de protestar contra a politica corrupta de sua terra natal. Como a carta faz sucesso a jornalista busca um John Doe real e encontra num jogador de basebol aposentado (Gary Cooper). O homem encarna de tal forma o personagem que passa a agir como John Doe, culminando com um comício de protesto a ser sabotado pelo prefeito local. A continuação da luta, já que se via abortada pelas forças governistas, é levar adiante a ideia de suicídio. Seria na noite de Natal, atirando-se do mais alto edifício da cidade. Nesse ponto o filme parara. Capra contou em suas memorias que passou notes acordado pensando em como terminar a façanha do combativo Doe. Ganhou a ideia  de que o homem do povo seria salvo pela mulher que “o criou” e na hora em que ia mesmo se atirar para a morte. Nessa sequencia há um fecho de close em que um tipo afirma “Este é o povo, ninguém pode com ele”.
                O filme não repetiu o sucesso comercial dos anteriores mas virou clássico. Capra sempre focalizou o cidadão comum, o homem idealista que a sociedade oprime; Mesmo depois da guerra voltou ao tema com “A Felicidade Não se Compra”(It’a a Wonderful Life/1946).
                O idealismo do cineasta foi mal interpretado por alguns críticos que o chamaram de “Polyanna”(a garota otimista da escritora Eleanor Porter duas vezes filmada). Mas ele nunca renegou seu ideal. Fez um cinema direto, sempre bem construído, e muito popular. No seu livro “The Name Above the Title” esceveu que sempre se incomodou com o publico modesto, com o cidadão comum. Seus atores preferidos, Cooper e principalmente James Stewart(herói da guerra) foram bem encaixados nos tipos.
                Ver hoje no Brasil “Adorável Vagabundo” é motivo de reflexão. Falta por aqui e agora uma voz como a de John Doe, ou ouvidos que ouçam a mensagem social. Vendo como a politica se move à custa de diversas formas de interesse acha-se analogia com o herói de Capra, um desconhecido que permanece oculto ou rouco .
                Um filme sempre atual desde que intrinsicamente democrata. Uma brilhante continuação do senador caipira de “Mr Smith...”(outro nome comum) que descobre falcatruas no senado) ou Mr. Deeds, um felizardo em loteria que resolve repartir seu ganho com os menos favorecidos.
                Capra era um autor de cinema, mesmo que só ajudasse em roteiro de seus filmes no caso de “A Felicidade...”. Sabia mostrar a bandeira de luta por um ideal.E sem apelar para ditaduras (ao contrario, sempre contra elas).  Foi ele quem elevou a Columbia a um grande estúdio e ganhou aplausos, no fim das contas, do presidente Franklin Roosevelt que fazia questão de se filiar entre os seus fãs.

                Este mês dois filmes de Capra estarão à disposição dos espectadores locais no Cine Clube Alexandrino Moreira. O outro filme. “Do Mundo Nada se Leva”(You Can’t Take it With You/1938) será comentado outro dia. É um raro exemplo de projeção aplaudida em cineclube paraense. E o Oscar de seu ano.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Ainda mãe

Em 1941 Albert Camus escreveu sobre Sisifo, o personagem da mitologia grega que carregava uma pedra para cima de um morro e sempre ao chegar perto do objetivo a pedra rolava e ele era obrigado a repetir a façanha. Desse modo o tipo vivido por Javier Barden em “Mãe”,o filme de Darrel Aronovsky, é um poeta que se inspira na mulher-musa(Jennifer Lawrence, sérias candidata ao próximo Oscar), aliada à sua casa, que de inicio se vê destruída(e a mulher queimada)para ressurgir tudo quando precisa se re-inspirar.
                O filme foi construído de forma que as imagens reflitam a construção da poesia desde a quebra da inspiração no inicio, a retomada dessa inspiração no quadro de um lar padrão, e a gradativa derrocada das imagens com a inserção de diversas personagens, até que tudo se desmorone (há até um plano dele abrindo o corpo dela para lhe tirar o coração –afinal a imagem de um diamante que se vê no inicio da trama). Como Sisifo, ele volta a se inspirar –e o filme parece ter sido um sonho da “Mãe” que acorda, como antes, procurando pelo marido na casa aparentemente incólume.
                Construir e reconstruir é a formula do autor, no caso do poeta, que sempre tenta levar sua obra ao píncaro (daí a exposição da vaidade em se deixar levar por uma multidão de jornalistas- até matadores de seu filho). Mulher-mãe é sempre uma figura subordinada ao que Ele(e o poeta se quer se chamar assim) programa/faz.

                Um filme denso e muito criativo, inspirando-se em vertentes literárias para fazer ver a construção penosa de uma obra de arte.

mãe

                “mãe”(com letra minúscula) podia se chamar “Casa”, ou “A Musa do Poeta”. No roteiro do diretor Darren Aronovsky é uma alegoria em torno de um poeta que se inspira na esposa e ela se dedica à casa onde moram, num local isolado, cuidando de manter o espaço gasto pelo tempo(ela e casa se confundem).
                O filme usa da opção de Carl Theodor Dryer(“A Paixão de Joana D’Arc”) em focalizar personagens em close. Não é apenas a atração pela atriz Jennifer Lawrence com quem o diretor passou a manter um romance. É um modo de enfatizar “quem” inspira o poeta e quem sofre por isso. O poeta, no caso, é interpretado por Javier Bardem. Não interessa os nomes. A esposa é “ela”, ou a mãe de seu filho, e ele, como chega a dizer “eu sou Eu”.
                De inicio há planos que parecem fortuitos como a imagem de um cristal. Também lá pelo meio, a casa queimada e duas mãos se contatando. Na alegoria proposta ela e casa representam a inspiração do poeta. O primeiro momento dramático, ou a quebra da exibição de um casal em perfeito entrosamento romântico, a chegada de um medico (Ed Harris) que se sabe doente e se mostra como desconhecido do poeta e mesmo assim convidado a ficar na casa dele. Logo adentra a mulher deste medico (Michelle Pfeiffer), e ainda os dois filhos homens do casal que logo se digladiam e um deles morre. Há uma pequena pausa na agonia da já fadada a ser mãe (a dona da casa) e quando está prestes a parir chegam jornalistas que aplaudem a nova obra poética do “pai”, fruto da inspiração dramática que envolveu a esposa. O filme alcança um momento de caos, com a filmagem manual varrendo o aposento que se vai destruindo, e uma criança nasce sem que isso represente a independência materna. Logo o recém-nascido é levado pelo pai para a multidão que o segura como o ícone da obra de um grande autor. E tudo se destrói: a casa e a mulher-mãe, que se incendeia e o marido chega a tirar-lhe o coração como adentrar na origem de sua obra poética.
                Mas há um plano final em que tudo parece se repetir ou seja é necessária uma nova inspiração para que persista o poeta.
                O filme nunca se rende ao realismo. Penso na frustração da plateia acostumada na linearidade do cinema industrial. A inspiração poética chega, sai e volta na medida em que se torna necessária para que o poeta continue poeta(“Sou o que sou”).
                Desta vez Aronhovsky ousou um tipo de cinema nada comercial posto que muito autoral. E gastou bastante, talvez porque o estúdio(Paramount) gostou de seu “Noe”.
                Claustrofóbico (a ação se passa quase toda dentro da casa), com a câmera sempre na mão do operador, usando ao máximo a capacidade interpretativa dos interpretes, especialmente de Jennifer, o filme incomoda da melhor maneira possível. Ganha duas horas em ritmo vertiginoso. Um  suspense, um terror, sem qualquer liame de gênero afeito a Hollywood. É a ousadia surreal de um artista da letra que chega a pegar no coração de sua musa para satisfazer a vaidade de quem espera sempre que a sua obra ganhe repercussão universal (no caso a vaidade ganha o aspecto metafórico de uma multidão aplaudindo um poema, coisa impensável neste mundo tão avesso à poesia).

                Um filme diferente. Na minha juventude seria rotulado de “fita de arte”. Terror do publico. Paraiso dos críticos. Creio que ainda hoje, a julgar pela receptividade negativa no mercado americano, é assim. 

terça-feira, 12 de setembro de 2017

David Lynch

Quem conhece David Lynch de “O Homem Elefante”, “Veludo Azul” e outros filmes que  alcançaram nossas salas comerciais, não sabe, por exemplo, que ele é pintor. Visceralmente pintor. O documentário“David Linch a Vida de um Artista”(David Lynch the Art Live) que está em exibição no Libero Luxardo, é uma rara oportunidade do citado artista se desdobrar, confessar quem foi e quem é. Não chega ao cineasta. Termina quando ele ganha uma bolsa de estudos em acaba aluno de cinema em Hollywood.
O próprio Lynch narra o documentário dirigido por Jon Nguyen e Rick Barnes. É uma confissão de um homem que passa por varias cidades, varias classes sociais, muitas escolas e só muito tempo depois cede à teimosia ditada por um talento e ingressa no cinema.
O filme não é nada agradável ao grande publico. E o final decepciona quem pensa em Lynch como diretor de filmes e series de TV. Por sinal que é o tipo de fecho de “Joaquim” o filme luso-brasileiro sobre Tiradentes. Ali a ultima imagem é de quem vai lutar contra a coroa portuguesa. Em “Lynch...” é quem fez um curta-metragem experimental que aprecia. O tipo do cinema hermético que fala a quem faz. Como a própria pintura do cineasta, não qualificada nas vertentes dessa arte.

Cinema de câmera como já se disse. Nem tanto de tela.

sábado, 9 de setembro de 2017

It-A Coisa

                Escrito por Chase Palmer, Cary Fukunaga e Gary Dauberman, com  direção de  “It”(A Coisa) deriva de uma historia de Stephen King  que já havia chegado ao cinema ; Na superfície pode ser visto como um filme de terror em que crianças moradoras em uma pequena cidade chamada Derry desaparecem numa casa devidamente assombrada onde se esconde um palhaço conhecido como Pennywise  que as mata de medo.Contra esse quadro um grupo de jovens na faixa de 13 ou 14 anos resolve enfrentar o palhaço medonho, compreendendo que “a união faz a força”.
         Felizmente o filme deixa mais subsídios ao espectador exigente. Pode ser visto como uma alegoria em que o palhaço é o que sintetiza um temor que os mais velhos impõem nas crianças para melhor dominá-las. Os contos de fadas cabem nisso. No caso de “It” há detalhes que evidenciam a metáfora como um pai que além de despótico se mostra até passível de seduzir a filha, uma senhora mãe que pastoreia o seu menino e outros personagens que inclusive são alvos de bullying. Lendo assim, o palhaço é o próprio medo. E a garotada vai percebendo, quando unida, que o único meio de escapar desse monstro é se unir na luta contra ele.
         Há mais: um menino persegue seu barquinho de papel feito pelo irmão mais velho  nas aguas servidas que correm pelas valas das ruas. Quando o barquinho cai no esgoto ele tenta tirá-lo com a mão mesmo sabendo do perigo que isso enquadra- mas pior medo é a repreensão fraterna. Na busca pelo esgoto depara com o palhaço. E cai no buraco cheio de agua poluída.
         O amago do terror está não só nas caras feias mas no asco provocado pela podridão ambiente. Diga-se o medo é imundo.
         Vendo assim –e há motivo para se ver assim, “A Coisa” é o melhor de King no cinema desde “O Iluminado” de Kubrick(que por sinal o escritor não gostou e achou de fazer uma versão muito ruim).

         Um filme insinuante. E bem dirigido, com um grupo de atores novatos que promete, em especial Jack Grazer(Eddie) e a muito bonita Sophia Lillis(Bev). Vale as duas horas que v. passa no cinema aturando comerciais e trailers que em sua maioria nunca serão exibidos em  nossas salas de shopping;