terça-feira, 6 de abril de 2010

Um Festival de História

O cinema Olympia (agora de novo com o “y” perdido nos anos 40) comemora os seus 98 anos com um programa que tenta lembrar as 10 décadas que já viveu. As datas correspondem às exibições, daí se ter representando os anos 1930 um filme de 1928 e os 1940 um filme de 1938.
Engraçado que uma jornalista ao me perguntar sobre a importância dessa mostra deu a entender que me julgava um espectador de todos os períodos. Teria, sei lá, 90 e tantos anos. Quem me dera chegar a isso, mas o que não vi acompanhei por comentários de quem viu. Morei cercado de espectadores, de gente que ia a cinema até em sessão de tarde da noite(e numa época em que ladrão era de coradouro e assassino era trevo de quatro folhas). Esse pessoal conversava muito sobre o que via e eu, garoto, escutava. No papo saiam impressões pretéritas, com minha madrinha falando dos primeiros filmes falados, minha mãe contando como era o Olympia na fase do cinema mudo, enfim, cobrindo todo o percurso das exibições, antes acompanhadas por “orchestras” debaixo da tela (e uma na sala de espera), depois com o muito de canto e dança, contidos nas operetas ou nos musicais da Metro.
“O Lírio Partido”(Broken Blosson) é de 1918 e passou no Olympia em 1919. Lllian Gish, que filmou até a década de 70, faz a jovem amada de um chinês. Foi, pode-se dizer, a desculpa de Griffith, o célebre diretor, à sua investida no preconceito étnico que exibiu em “Nascimento de uma Nação” (Birth of a Nation/1914).
“Ben Hur” de Fred Niblo (1925) marcou época. Meu tio Oswaldo (Vavá) dizia-se, por causa desse filme, fã de Ramon Novarro, o ator. Machista inveterado não sabia que Novarro era gay. Se soubesse não escreveria no verso de uma foto: “Não é Ramon Novarro,é o Direito(como ele era conhecido)”.
“Alvorada do Amor”(The Love Parade) tem história por trás dos projetores. Foi o primeiro filme falado exibido bem Belém. Precisamente no dia 30 de novembro de 1930. A técnica iría para o Cine Moderno, em Nazaré, mas a revolução acontecida no momento fez com que a sessão fosse interrompida. Meus pais iam, mas foram avisados antes do que possivelmente iría acontecer. Escaparam por um fio.
O filme é do gênero opereta, um dos que mais atraía público no velho Olympia. Jeanette MacDonald era a soprano mais querida. O par dela, dos anos 30/40, era o barítono Nelson Eddy. Neste filme de 1928 que Ernst Lubitsch dirigiu, quem pontilhava era Maurice Chavalier, o “chansonnier” como chamavam. Ele cantou e encantou três gerações (até “Gigi” em 1958). Só pegou mal na época da França ocupada, quando chegou a cantar para os nazistas. Os resistentes não o perdoaram de imediato. O perdão viria em 1951 com “O Rei” (Le Roi), comédia com boa dose de erotismo onde lançava números marcantes como “La Cachucha” e a canção (linda) “C’Est Finit”. Foi um sucesso no meu Cine Bandeirante em cópia 16mm.
“As Aventuras de Robin Hood”(Adventures of Robin Hood) foi “a cara” das matinais domingueiras, sessão em que a garotada respondia presente em peso. E também das vesperais, todas superlotadas. Errol Flynn era o ídolo das multidões, sucedendo a Douglas Fairbanks, o astro-atleta da fase muda. Olívia de Havilland (ainda viva) seria a sua companheira não só como Lady Marian, o xodó de Robin, como também como a namoradinha de Capitão Blood e de outros heróis de capa-e-espada, que Flynn encarnou para alegrar a juventude pré-televisão.
“A Princesa e o Plebeu”(Roman Holiday) trouxe Audrey Hepburn, a “funny face” ou “bonequinha de luxo”. O tipo de beleza especial, angelical, nada comparado às “vamps”. Ela estrearia ganhando Oscar nesta comédia de William Wyler onde, como parte de realeza, namorava o repórter Gregory Peck. Atraiu muita gente.
“Hannah e Suas Irmãs”(Hannah and Her Sisters) é concessão a Woody Allen. Com o jazz descritivo trata de tudo o que lhe deu direito: da neurose do tipo que Allen interpreta aos romances contrariados. Mia Farrow era a personagem corneada. Sintomático em se tratando do ator-diretor. Michael Caine fazia o galã que pulava a cerca com a cunhada. E a dupla de coroas Maureen O’Sullivan e Lloyd Nolan faziam os pais das jovens focalizadas. Maurren, ex-Jane dos filmes de Tarzan, era na verdade mãe de Mia. Genial o fim, com Allen vendo os Irmãos Marx na tela e aprendendo que é bom viver.
“Um Estranho no Ninho”(A Fidler on the Cuckoo’s Nest) deu Oscar a Milos Forma (diretor)., Jack Nicholson (ator) e Louise Fletcher (atriz coadjuvante). Nicholson é internado num hospício e ajuda os doentes, embora acabe sacrificado ao tentar provar que é apenas “diferente”. O ator faria mais doidos em cinema, sendo o mais votado o de “O Iluminado”de Stanley Kubrick.
“O Sexto Sentido”(The Sixty Sens) revelou o diretor M. Night Shyamalan. Um garoto fala com os mortos e por isso é alvo de um psicólogo. Sucesso enorme de uma platéia que adora temas espiritualistas. Sucesso que se repetiu na década seguinte com “Os Outros”(The Others) do chileno Alejandro Amenábar, o filme que encerra o programa representando os últimos anos do cinema como sala comercial. Depois de 2006 ele seria adotado pela Prefeitura de Belém como Espaço Municipal Olympia. E assim prepara-se para o centenário daqui a dois anos.
Os filmes das décadas atiçam memórias e por isso trazem histórias por trás das histórias que contam. (Pedro Veriano)

Nenhum comentário:

Postar um comentário