sábado, 3 de abril de 2010

O Agente do Além

Francisco Candido Xavier (1910-2002) dizia que só iría desencarnar quando o povo brasileiro estivesse imensamente feliz. Um amigo dizia que nesse caso ele iría “ficar para semente”. Morreu no dia em que o selecionado do futebol brasileiro sagrou-se hexacampeão do mundo.
O mineiro virou um ícone do espiritismo. Criança, via a mãe que já tinha morrido e recebia conselhos dela. A forma de lidar com a madrasta que entre muitas maldades chegou a mandá-lo lamber uma ferida.
De Pedro Leopoldo a Uberaba, Chico, como ficou conhecido, foi o meio de muita gente se comunicar com o além túmulo.Conheci uma senhora, viúva de um médico que foi meu professor, e que visitou Chico e dele recebeu uma carta psicografada do espírito do marido. Chamava as pessoas pelos apelidos. Muitas a senhora, que viveu muitos anos com ele, não se lembrava. E tem muitos outros casos. Diziam, os céticos, que funcionários do médium entrevistavam as pessoas antes da consulta e sabiam de muitas particularidades enfim dissertadas pelas almas em comunicação. Mas com quem eu falei jura que não soltou “dicas” para ninguém; Seria telecinesia ? Transmissão de pensamento? Mas o nervosismo de quem estava na sala esperando as mensagens ocultava qualquer lance de memória.
O caso Chico é um prodígio que alguns vêem como fantasia, outros como realmente um dom de conversar com quem viveu na Terra. E ressalte-se: na última vida. O espiritismo crê na reencarnação e conheci colegas médicos que faziam e fazem regressão sem hipnose capaz do paciente relatar experiências de uma vida anterior.
Mas o que interessa agora é o filme “Chico Xavier” em cartaz nacional. Dirigido e produzido por Daniel Filho com base na mais conhecida biografia de Chico, a escrita pelo jornalista Marcel Souto Maior, é um “tour de force” para sintetizar um mundo de informações. Por isso tenta se eximir de muitas responsabilidades numa frase de abertura: “É impossível contar a história da vida de um homem em duas horas”.Resta sintetizar. E nesta síntese muita força se esvai. Alguns momentos são citados sem definição(o caso de uma reportagem feita por um jornalista do The New York Times). Outros ganham apenas citação, com uma brevidade que dilui a força emotiva dos personagens no momento. E não se define, por exemplo, a identidade de Emmanuel, o guia espiritual, e tampouco os empregos de Chico ao longo dos anos (apenas se vê ele datilografando mas não se diz onde ou o quê),e o modo como conseguiu adquirir as casas onde atendia os clientes(não recebia um centavo dos livros que psicografava,doando o dinheiro das vendas para instituições de caridade). Também não se toca na vida sexual do personagem, restando o episódio (muito interessante) das prostitutas que acabam rezando quando uma delas é selecionada para iniciar o adolescente levado por uma pessoa da família a um bordel.
O filme ganhou muito com os atores de forte semelhança física com o biografado. Mas em nenhum momento é eclético. Apesar de Daniel Filho e Nelson Xavier (que faz Chico nos últimos anos) dizerem-se ateus, o conteúdo é de homenagem, não de discussão cientifica ou histórica Quer dizer: foi feito para os espíritas, e no conhecimento de que o Brasil é o país com o maior numero de crentes na religião&ciência&filosofia (a definição de espiritismo é complexa) codificada por Alan Kardeck.
O resultado em termos de bilheteria deve ser espantoso, Tirei pela estréia em Belém, numa sexta-feira santa. Casa lotada. Mas não sei se a idéia de fragmentar a narrativa a partir da entrevista que Chico deu à TV Tupi (Programa “Pinga Fogo”) foi aceita pela maioria. Parece que o roteiro quis tirar qualquer ranço melodramático. Conseguiu em parte. Ainda mais quando deixou o bom humor do médium para o final. Rir faz bem à alma e não precisa de um homem com Chico Xavier para dizer isso.
Rodado nos locais dos acontecimentos, com uma boa produção, “Chico Xavier”, apesar de jamais chegar a esgotar o assunto, ganha o pódio dos filmes do gênero em terras brasileiras. Dá para satisfazer a equipe. Os críticos não. Tanto que mesmo se escondendo do melô, o encerramento com o processo em que a vitima salva o réu em um tribunal não deixa de focalizar as lágrimas dos pais dessa vitima (Christiane Torlone e Tony Ramos). E pode ser até que alguém da platéia responda de forma recíproca. Afinal, não há maior consolo do que se saber que um ente querido cujo corpo está sepultado na verdade prossegue vivo em outro plano da existência. E mais: consegue dizer que está bem.

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