O cinema já mostrou diversas versões da vida depois da morte. Nem discute se isso existe: sendo matéria de atração popular, conseqüentemente de boa bilheteria, então tudo OK. A última versão do tema é “O Olhar do Paraíso”(The Lovely Bones), história contada por Alice Sebold em seu livro de 2002 que de tão sedutor para uma grande faixa de público ganhou edição brasileira:“Uma Vida Interrompida- Lembranças de um Anjo Assassinado”.
Desta vez a trama é contada pela morta. Mas nada parecido com o que o cadáver de William Holden na piscina de Gloria Swanson contou no “Crepúsculo dos Deuses”(Sunset Boulevard) de Billy Wilder Aqui a menina assassinada narra em espírito como morreu, como ficou a sua família quando soube de sua morte, e como se deixou inconformada (e por isso sem voar para o paraíso) por não ter concretizado o desejo que era ser beijada por um colega de escola.
Não conheço o livro, mas seria (ou será) interessante se analisar o que um beijo representava para as garotas de uma classe social em um tempo(o crime aconteceu em 1973). Lembra Rostand: “um beijo o que é que se não peça/ um voto que se faz mais perto/ uma promessa mais firme/ um ideal que o fato corrobora/um punto róseo no i do lábio que se adora...”
Mas o filme de Peter (Senhor dos Anéis) Jackson também fica, como sua heroína, entre o céu e a terra. Com uma enxurrada de efeitos digitais ele pinta um além que mais parece o caminho de Oz (a terra do mágico). E se desliga da vida terrena embora a câmera não a deixe, vendo a irmã de morta investigando e se arriscando na pista do vizinho “serial killer” que ela, enfim, desmascara mas fica por isso (não se sabe das medidas policiais em torno).
No plano celestial, ou na ante-sala do paraíso, estão as idéias da mocinha. Se ela está morta, se através de uma encarnação relâmpago consegue o beijo almejado, que importa o resto? O seu corpo jamais foi achado. Nós, no cinema, sabemos que ficou dentro de um cofre jogado no lixo de sucatas pelo criminoso. E o vilão jamais é preso. Morre velho, e ainda paquerador, numa queda boba que a julgar pelo degelo de uma falange de neve que desaba sobre sua cabeça pensa-se em castigo das almas que ele mandou para o além (são muitas e visíveis pela mocinha).
Uma das perguntas que se faz: se Susie, a morta, não decolava por causa de um beijo, qual o problema das suas colegas de infortúnio, que estão no limbo como ela? E que aconteceu com a investigação de um detetive amigo da família que vivia perseguindo quem tentasse abelhudar a vida do vizinho malvado?
Muitas perguntas ficam sem resposta. O filme empaca por não assumir a identidade sentimental de “Ghost” ou cair no carnaval de “Amor Além da Vida”. Tampouco flerta com o espiritismo e visa olhar um céu católico. É um meio termo como aquele outro limbo que dizem ser a casa das crianças não batizadas que os antigos cristãos descreviam como incapazes, por si, de acesso a Deus.
Jackson perdeu a bola. Seu filme só tem uma vantagem: não é chato. Vê-se com atenção e até por isso se percebe os furos.Dai a culpar o romance, só lendo. Mas cinema não é ilustração de texto. Há de se recriar. E aqui parece que se recriou para pior. (Pedro Veriano)
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