domingo, 7 de fevereiro de 2010

Entre a História e a Saudade

Quando eu vi pela primeira vez “Aviso aos Navegantes”, cursava o ginasial do Colégio Moderno.A repercussão do filme, na minha turma. eu qualifiquei de explosiva. Um colega, meu amigo até hoje, Agostinho Barros, imitava Oscarito com perfeição e aproveitou o filme para reproduzir falas como “...é tanto tango, tanto tango, eu quero é samba, gafieira, trabalhar em Madurera, passear em Niteroi, sabe lá o que é isso ?”. Ele era fã declarado do comediante indispensável nas melhores chanchadas (como a critica chamava os musicais carnavalescos em tom pejorativo). Quando Oscarito veio à Belém com uma de suas peças (ele e sua família também faziam teatro),não se conteve em ir vê-lo no nosso Da Paz e foi ao camarim cumprimentá-lo. Eu fui de reboque. Lembro do ator limpando a maquilagem e agradecendo os nossos cumprimentos. A gente vivia o clima de festa do interior que esse tipo de cinema endeusava. O mundo parecia ingênuo embora tivesse saído de uma guerra sangrenta. Mas aqui no Brasil, especificamente em Belém do Pará, as coisas se comportavam de forma cavalheira. No carnaval existiam as “batalhas de confeti” nos bairros, quem tinha carro fazia o corso na Praça da República, não havia medo de sair na rua de sujo com a cara pintada sem ser protesto politico-partidário, os romances tinham campo nas sessões de cinema, o sexo antes do casamento era copyright da zona do meretrício, os denominados palavrões eram restritos à área masculina (assim como o fumo), enfim, qualquer deslize de comportamento ganhava coluna de jornal (havia a especialista “Vozes da Rua” da Paulo Maranhão na “Folha Vespertina”), e o vicio maior era o álcool, embora o porre ganhasse status em canções, peças e filmes como “O Ébrio” de Vicente Celestino.
Quando eu constato que “Aviso aos Navegantes” está fazendo 60 anos estremeço. Meus amigos do tempo da estréia do filme, assim como meus parentes, minha casa,a maioria já se foi. E o tempo que passou parece ter sido acelerado,hoje se falando de “antigo” com a data dos anos 80. Mas nos 80 esta chanchada que ora se reapresenta já somava 30 anos. O ator Anselmo Duarte morreu ano passado depois um período com Alzheimmer. A sociedade mudou tanto que a História com “h” maiúsculo é mais uma anedota. E se o riso volta, volta embalado em saudade.Talvez os jovens de agora nem cheguem a rir, ou a entender o que se queria que fizesse rir. Mas quem viveu o período da ação filmada sente duas vezes a emoção, ou seja, torna a achar graça até por um dia ter achado. É um encontro com o passado que irmana risos e lágrimas na constatação de que aquilo passou. Foi engraçado, mas passou.
Cinema é uma arte mágica por renovar emoções. Na literatura você constrói no cérebro as imagens do que lê. Na musica você lembra o que a melodia construiu, Mas no cinema são as imagens que reaparecem e testam a sua memória como um documento vivo. Tudo que está no filme esteve. E já foi conjugado no presente do indicativo. Um milagre rever seres humanos que já não são. Essa é faculdade primordial de uma técnica que sublima valores. Por isso, pela poesia resultante do reencontro, as chanchadas escapam da critica feroz. São aquelas silhuetas na paisagem faladas noutro filme.
É por esse processo de revitalização do cinema que se deve dar valor aos técnicos que restauram filmes antigos. Eles são os doutores do tempo. Merecem os aplausos de todos os que gostam dessa arte edificada por tanta gente, dos Lumiére a Edison,de Daguerre aos computadores modernos.
Aviso, portanto, aos novos navegantes: fiquem o leme na direção de onde vai passar o filme sessentão. É o baú dos ancestrais.(Pedro Veriano)

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