domingo, 20 de setembro de 2009

KYESLOWSKI E O SEU "AMADOR"

Saiu em DVD um filme raro do polonês Krystoff Kieslowsky (1941-1996): “Amator”(1979), aqui batizado de “Cinemaniaco”(nome dado à uma comédia de Harold Lloyd). Uma feliz síntese do que pensava o cineasta no inicio de carreira. O herói, Filip Mosz (Jerzy Stuhr) compra uma câmera de 8 mm para filmar a primeira filha, nascida sob uma expectativa que o leva ao pranto. Mas o uso da câmera acaba fascinando-o mais que a garotinha. Logo está filmando funcionários da empresa onde trabalha, documentando reuniões e com isso conhecendo pessoas ligadas a cinema (inclusive uma bela produtora com quem chega a ter um breve caso). O “hobby” leva à destruição de seu casamento. A mulher mostra-se decisiva e sintetiza o drama ao demonstrar que ele, optando pela cinematografia, deixou de ser o marido fiel, humilde, carinhoso, feliz por ter a vida que escolheu em comum acordo com ela.
Há muitas reviravoltas na história, mas, no fim, o sofrido Filip filma o seu próprio rosto e diz quem era, o que desejava, o que acabou perdendo.
Será que Kieslowski era um desses simples operários da Polônia comunista que experimentou ser uma estrela da burguesia e se arrependeu? Como o roteiro explica, a arte não vale a paz de espírito, como se uma coisa só existisse sem a outra.
Basicamente o tema força um engano. Engano de quem vive o drama focalizado, engano de quem coloca em xeque um talento a emergir da mansidão que patrocina o anonimato. Neste caso, surge em primeiro plano, a idéia do operário benquisto que peca ao tentar ser patrão. E nem é preciso ir muito longe: o personagem filma um colega, o mais antigo de seu trabalho, homem modesto, deficiente físico, que numa entrevista conta que se sente feliz em estar com a esposa e sair de casa uma vez por semana para ir a um cinema ou a um bar. A filmagem leva à dispensa do velho.O patrão não quer que se divulgue detalhe da empresa ou de seus empregados.
O argumento é frágil, embora trate o cinema como uma fascinação. Quem filma em Super 8 mm passa a filmar em 16mm e pode chegar ao 35mm se continuar a gostar do que faz. Não é o caso em pauta, mas foi de Kieslowski como foi de Zanussi, cineasta que aparece numa ponta como convidado para uma exibição num sindicato. Zanussi em “Iluminação” tocou na mesma ferida quando seguiu um estudante inteligente, apto a ser um mestre em física, mas relegado a um emprego de escritório para poder manter a família que cedo constituiu. Para contar o seu drama o diretor foi buscar Santo Agostinho ao falar dos “iluminados”. Em “Amator” o caminho é o mesmo, talvez de forma mais explicita, com a luz apagando por conta de um dilema ético (ou moral).(Pedro Veriano)

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