quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Fossa Astronomica

O filme “Melancholia” de Lars Von Trier prega um fim de mundo. Não é simplesmente a destruição do planeta como viu George Pal & Rudolph Maté em “When Worlds Collide”(aqui “O Fim do Mundo”/1951) nem outro “filme catástrofe” como “Impacto Profundo”(Deep Impact/1998) de Mimi Leder. É mais o que viu Antonioni em “Eclipse”(L’Eclisse/1962). O mundo acaba primeiro no plano individual, ou seja,para as pessoas que vêem a vida desabar.
Mas o filme do dinamarquês não é só a fossa da personagem vivida por Kristen Dunst, chamada Justine. A sua noiva surge na tela já melancólica, e por se vidrar no astro que se aproxima da Terra, chamado Melancholia, afina uma similitude não apenas astronomica.
Não sei se coube ao cineasta mas Justine é uma das mais notáveis mulheres imaginadas por Sade, o marquês. Em “Justine ou les Malheurs de la Vertu” ele mostrou a mulher insatisfeita com o sexo – e por isso buscando-o por fora dos padrões sociais vigentes como forma de se realizar. Nesse quadro, e eu não arrisco chamar de patologia, cabe a mocinha que se casa com luxo, dança, admira sua veste branca, mas deixa o marido só, na alcova, e vai fazer sexo com um convidado em campo aberto. Além disso, Justine não mais compactua com a irmã em troca de segredos intimos. Esta irmã, Claire, é mais padrão burguês, mulher “bem casada”e com um filho menor, afinal quem deve sentir o desastre sideral que se aproxima.
Pode-se traduzir o filme como o casamento, mais real do que o mostrado no segundo dos 3 capitulos a que se entrega a narrativa,do micro com o macrocosmo na constatação de um vazio interior, de uma catástrofe emotiva antes da fisica.
Formalmente é mais comportado do que o padrão do diretor . Só ha ranço do seu estilo a que chamou de Dogma na preferencia pelas tomadas sempre manuais. Lembrei do esforço que a gente fazia no cinema amador de sustentar com a mão direita uma objetiva pequena, temendo o tremor natural do corpo. Trier quer que se veja o tremor. E neste caso ele compactua com o nervosismo do assunto.
Mas se o filme é lógico, explica-se com razões que a razão bem conhece, ele está longe de ser uma criação de esmero, um quadro que privilegia a exposição de reações do mundo moderno. Quem não sente no transito, por exemplo, um fim de mundo? E quantos casais não se afinam na cama ou na casa, na conversa ou na rua, na familia ou na solidão a dois ? Antonioni trabalhou anos nisso aí. E eu não morro de amores pelos filmes dele. Muito menos da fase de Von Trier pós-“Europa”(o seu bom trabalho inicial e acadêmico). Sentindo assim até que me surpreendi apreciando “Melancholia”. Foi um passo à frente. Em Cannes quase pifa com o discurso pró-nazismo que o irriquieto cineasta proferiu em tom de piada. Mesmo assim, o festival francês honrou o esforço de miss Dunst. Dentre as damas da fossa prefiro ela à Monica Vitti de “Deserto Vermelho”.


Justine ou les Malheurs de la vertu) é um clássico das histórias eróticas escrito pelo Marquês de Sade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário