segunda-feira, 25 de setembro de 2017

mãe

                “mãe”(com letra minúscula) podia se chamar “Casa”, ou “A Musa do Poeta”. No roteiro do diretor Darren Aronovsky é uma alegoria em torno de um poeta que se inspira na esposa e ela se dedica à casa onde moram, num local isolado, cuidando de manter o espaço gasto pelo tempo(ela e casa se confundem).
                O filme usa da opção de Carl Theodor Dryer(“A Paixão de Joana D’Arc”) em focalizar personagens em close. Não é apenas a atração pela atriz Jennifer Lawrence com quem o diretor passou a manter um romance. É um modo de enfatizar “quem” inspira o poeta e quem sofre por isso. O poeta, no caso, é interpretado por Javier Bardem. Não interessa os nomes. A esposa é “ela”, ou a mãe de seu filho, e ele, como chega a dizer “eu sou Eu”.
                De inicio há planos que parecem fortuitos como a imagem de um cristal. Também lá pelo meio, a casa queimada e duas mãos se contatando. Na alegoria proposta ela e casa representam a inspiração do poeta. O primeiro momento dramático, ou a quebra da exibição de um casal em perfeito entrosamento romântico, a chegada de um medico (Ed Harris) que se sabe doente e se mostra como desconhecido do poeta e mesmo assim convidado a ficar na casa dele. Logo adentra a mulher deste medico (Michelle Pfeiffer), e ainda os dois filhos homens do casal que logo se digladiam e um deles morre. Há uma pequena pausa na agonia da já fadada a ser mãe (a dona da casa) e quando está prestes a parir chegam jornalistas que aplaudem a nova obra poética do “pai”, fruto da inspiração dramática que envolveu a esposa. O filme alcança um momento de caos, com a filmagem manual varrendo o aposento que se vai destruindo, e uma criança nasce sem que isso represente a independência materna. Logo o recém-nascido é levado pelo pai para a multidão que o segura como o ícone da obra de um grande autor. E tudo se destrói: a casa e a mulher-mãe, que se incendeia e o marido chega a tirar-lhe o coração como adentrar na origem de sua obra poética.
                Mas há um plano final em que tudo parece se repetir ou seja é necessária uma nova inspiração para que persista o poeta.
                O filme nunca se rende ao realismo. Penso na frustração da plateia acostumada na linearidade do cinema industrial. A inspiração poética chega, sai e volta na medida em que se torna necessária para que o poeta continue poeta(“Sou o que sou”).
                Desta vez Aronhovsky ousou um tipo de cinema nada comercial posto que muito autoral. E gastou bastante, talvez porque o estúdio(Paramount) gostou de seu “Noe”.
                Claustrofóbico (a ação se passa quase toda dentro da casa), com a câmera sempre na mão do operador, usando ao máximo a capacidade interpretativa dos interpretes, especialmente de Jennifer, o filme incomoda da melhor maneira possível. Ganha duas horas em ritmo vertiginoso. Um  suspense, um terror, sem qualquer liame de gênero afeito a Hollywood. É a ousadia surreal de um artista da letra que chega a pegar no coração de sua musa para satisfazer a vaidade de quem espera sempre que a sua obra ganhe repercussão universal (no caso a vaidade ganha o aspecto metafórico de uma multidão aplaudindo um poema, coisa impensável neste mundo tão avesso à poesia).

                Um filme diferente. Na minha juventude seria rotulado de “fita de arte”. Terror do publico. Paraiso dos críticos. Creio que ainda hoje, a julgar pela receptividade negativa no mercado americano, é assim. 

Um comentário:

  1. Pedro,

    Entendo tua posição, mas nesse caso o didatismo de Aronofsky não foi bem digerido. Achei as alegorias deveras caricatas e óbvias.

    Abraços!

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