Descobriu-se água na lua. O cineasta Roland Emmerich perdeu a chance de mandar uma arca, semelhante à de Noé, para o nosso satélite natural. Seria mais interessante do que as balsas anfíbias que ele usa no seu “2012”, um fim de mundo bem maquilado pelo pessoal técnico (um mimo de efeitos especiais) e um glossário dos clichês usados em “disaster movie” desde o tempo do cinema mudo.
O gancho para o roteiro do novo filme do diretor de “O Dia Depois de Amanhã”, do extremamente ridículo “Independence Day” e do curioso “O Principio da Arca de Noé”, é o calendário maia, aquele que aponta o fim dos tempos para uma conjunção planetária a acontecer em dezembro de 2012 (“tá perto, apertem os cintos antes que o piloto suma”). No caso, o núcleo do planeta vai literalmente rachar. As placas tectônicas vão dançar sobre o magma, os oceanos vão invadir as áreas secas, as cidades vão virar deserto ou novos rios, e os humanos, como muitos animais, deixarão de existir.
No Gênesis Deus falou a Noé sobre o dilúvio e ditou como devia ser feita uma arca onde embarcariam as diversas espécies biológicas para salvaguardar a vida até que as águas baixassem. Hoje, com a ciência dando o seu teco, culpa-se a partícula atômica menos conhecida: os neutrinos. Sabe-se que neutrinos, oriundos da energia solar, atravessam tudo, até os nossos corpos. Mas eles só foram detectados, até agora, em ciclotrons, no choque de elétrons. Emmerich diz que os neutrinos vão ajudar na rachadura da crosta terrestre. Ajudados pela posição paralela de planetas. Não importa: a ficção pede que se veja, por exemplo, o Capitólio afundando, a Torre Eiffel mergulhada e empatando a navegação, o Cristo Redentor carioca dividido em pedaços, o Vaticano engolido por uma fenda (Buñuel, bem antes, viu isso desrespeitosamente em “A Idade do Ouro”) e até um monge no Tibet pegando uma onda de mais de dez metros de altura sem tábua para surfar...
É claro que o almanaque de desastres possui uma pequena história sentimental para mover a platéia. O casal formado é um escritor sem sucesso (John Cusack) e uma dona de casa divorciada (Amanda Peet). Ela separou-se dele, cria os filhos dele, o novo marido é pintado de boa praça (o filme sabe que muita gente que paga ingresso vêm de casamentos passados), e na hora h o escritor vive perigos que até mesmo os super-heróis questionam. Mas para o bem de todos e a felicidade geral dos financiadores do projeto, só morre quem está sobrando. Podem tentar adivinhar quem é. E se o mundo como conhecemos literalmente afunda, um novo aparece no último plano sem gaivotas para anunciá-lo como aconteceu com Noé e sua turma.
‘ O cinema já mostrou muitos fins de mundo. Chegou a explodir a Terra (“When Worlds Collide”/ 1952). Mas o cancioneiro popular sai em frente: “-... Se o mundo se acabar amanhã/quero sambar primeiro”. Ou ainda: “-O que se leva desta vida é o que se come, o que se bebe, o que brinca... ai ai”. Isto quer dizer que o mundo interior sai na frente da palavra fim. Todos nós teremos o nosso fim de mundo. O astro azul vai ter o dele, ou quando o sol virar uma anã branca, ou quando um meteoro do tamanho daquele que se chocou com Júpiter cair no Equador. Isto sem falar no esfriamento gradual, na cada vez menor intensidade dos raios solares ou na poluição crescente que ofuscará a energia do “astro rei” e esvaziará a atmosfera como aconteceu com Marte. Essas coisas todas não devem pegar a nossa ou mesmo a próxima geração. Mas a imaginação popular é pródiga e ainda há quem leia o Apocalipse de S. João ao pé da letra, entendo as bestas que anunciarão o “fim dos tempos” como criaturas vivas (ou zumbis). Também há quem pense no julgamento final, quando todos os que viveram reaparecerão e serão julgados. Neste caso não é preciso hecatombe. Basta o peso da “ressurreição da carne” para desequilibrar o planeta. Enfim, fim de mundo é prato que se serve frio. Roland Emmerich sabe disso e faz o seu cardápio. Pela primeira semana de exibição mundial sabe-se que está sendo consumido com avidez. Há gosto pra tudo.
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