quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Que Vier Funcion

Woody Allen volta à sua New York depois de um giro inglês (“Match Point”,”O Grande Furo”) e espanhol(“Vicky Cristina Barcelona”). E volta para dizer que não mudou. Se o seu novo filme (perdão,já tem outro pronto e mais outros no ovo) que aqui se chama “Tudo Pode Dar Certo” afirma, no original, que “O Que Vier Funciona”(Whatever Works). Não é conformismo: é descrença. Debaixo de uma ironia que deriva dos Marx Brothers usa de porta-voz, ou alter-ego, um cientista chamado Boris (Larry David), que é divorciado porque não mais aturou a mulher carola e chegou a tentar o suicídio ganhando com isso um andar manco, assemelhando-se “in totum”ao dr.Gregory House de Hugh Laurie na TV (é o caso de dizer que a cara de um é o focinho do outro).
Boris tenta levar a vida cantando todo dia, ao lavar as mãos, “Parabéns a Você”. O destinatário é ele mesmo. Cético em tudo, fala para quem acha que está lhe vendo (nós, espectadores), afirmando o que Allen sempre afirmou, da descrença em qualquer religião, da pouca ou nenhuma confiança no ser humano, do absoluto desprezo a sentimentos que vão do amor ao próprio trabalho. Só é frágil diante da doença (afinal um paradoxo para quem não dá valor à vida) e chega a correr de noite para um hospital quando pensa que a picada de mosquito é um melanoma.
A união de Boris com a jovem Melody (Evan Rachel Wood, ótima descoberta),resulta primeiro na capacidade de dar à ela o chamado “efeito mimético”. A moça que fugira de casa e estava morando na rua passa a repetir os resmungos do seu anfitrião, não importa se nada conheça de Física (ela cita a “Teoria das Cordas” porque ouviu Boris falar disso) e confunda próton com “chato”. O resultado é que acaba em casamento tão improvável como a própria capacidade do marido acatar qualquer relacionamento estável.
Mas se a união dura um ano e vê-se Boris dizendo para a tela que “não foi o pior ano de sua vida” acaba desmoronando quando entra em cena, ou melhor, no pequeno apartamento do casal, a mãe de Melody (Patricia Clarkson). Ela cai bem na ária de Il Rigoletto”(“volúvel como pluma ao vento). Logo está praticando “ménage a troi” e arranjando um novo marido para a filha. Como se não bastasse, chega também o pai de Mellody(Ed Begley Jr). E se ele começa demonstrando a sua educação austera e cristã não demora a se revelar um “gay”.
Tentando outra vez o suicídio(a meta é se atirar da janela), Boris agora cai sobre uma vidente a quem leva para um hospital e com quem vai se unir. Numa festa de ano novo à guisa de encerramento do filme, ele solta os velhos cachorros: detesta o tipo de festa pois lembra que “cada vez mais se chega à sepultura”. Mas considera que tudo o que cai (ele caiu para uma nova fase da vida) pode dar certo. Woody Allen caiu pelos encantos da enteada Soo Lyin e parece ter gostado. Chegar ao âmago do pessimismo e nele encontrar um balsamo é como ver uma flor na lama. Mas é assim que o cineasta comediante de 74 anos (beira os 75) trabalha. Faz cinema de idéia fixa, alertando que o que vale é viver a vida enquanto se vive. E não importa se o método de viver é o do solitário de “Sonhos de um Sedutor”(Play it Again, Sam), sua peça teatral que Herbert Ross dirigiu no cinema, ou o noivo de Annie Hall,ou o hipocondríaco de “Anna e Suas Irmãs” ou até mesmo o mágico que morre porque reclama a mão de direção dos ingleses em “O Grande Furo”.
“Tudo Pode Dar Certo” é bem um filme de Woody Allen. Pode ser radical, daí a piada no fim quando Boris diz que “ficou pouca gente vendo”. Mas é a cara dele. E hoje, no mundo do cinema, poucos realizadores são tão pessoais.

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