sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Bandeirante

No dia 26 de fevereiro de 1950 eu inaugurei o Cine Bandeirante. Explico: havia chegado do Rio de Janeiro com um projetor sonoro de 16mm marca “Revere”adquirido por meu pai. Quis experimentar na hora da chegada e isso quer dizer 2 da manhã. O pessoal de casa, insone, foi ver o primeiro filme, um documentário do carnaval carioca daquele ano feito por Alexandre Wulfes que eu nem sabia que tinha sido parceiro do Libero Luxardo.
Dias depois passei a usar o porão de casa (depois garagem), um prédio grande edificado na então Avenida São Jerônimo (o numero era 186 depois passou para 366). E aluguei o primeiro longa-metragem na bitola, a comédia “Um Rival nas Alturas” com William Powell e Hedy Lamar. Foi um sucesso. A vizinhança acorreu e daí em diante o Bandeirante (nome que saiu do avião da Panair que me trouxe da terra carioca, o quadrimotor Constellation, e ainda pelo fato de considerar cinema 16mm como pioneirismo) passou a exibir regularmente filmes de distribuidoras que chegavam a firmas locais como F. Aguiar Cia.
A rotina era datilografar um programa que seria distribuído pela casas próximas. E cobrava ingresso para poder alugar os filmes. Claro que acabava saindo a grana do bolso de meu pai e de amigos dele que se reuniam periodicamente para jogo de pif-paf.
O Bandeirante viveu até 1984 quando me mudei. Passou de tudo e esteve intimamente ligado à minha vida, representando a minha única diversão, ajudando cineclubes locais, recebendo visitas de atores e diretores que transitavam por Belém.
Foi no meu cineminha que vi clássicos que até então só conhecia de livros. O período áureo dessa fase foi quando Orlando Costa ,hoje nome de uma sala no TRT, mantinha o Cine Clube Os Espectadores e fazia aas sessões prévias do que recebia do Museu de Arte Moderna (RJ/SP) ou distribuidoras que trabalhassem com o gênero(o que se chamava “fita e arte”). As prévias serviam para os apresentadores dos filmes conhecerem o que seria tema de suas palestras.
Também lancei ali meus próprios filmes. O primeiro foi um registro de meu aniversário em 1951. Mas o pitoresco era a estréia “hollywoodiana” de curtas dramáticos interpretados por vizinhos. Todos iam assistir. Lembro de “Um Caso Difícil”(1952), “O Grande Lutador”(1952), “O Acidente”(1952), “O Desastre”(1953), “O Deus de Ouro”(1953)“Um Professor em Apuros”(1953),”O Vendedor de Pirulitos”(1961), e“Brinquedo Perdido”(1962). Tinha muito mais e muito pouco foi preservado. Tenho DVD de “Brinquedo Perdido” que será exibido este ano (2012) no cinema Olímpia, complementando uma sessão com “O Pagador de Promessas”, filmes de 50 anos atrás. Penso até em levar o ator, meu cunhado Francisco de Assis Miranda, hoje avô.
Foi muito triste a despedida do Bandeirante quando a casa já estava desocupada para venda. Exibi alguns desses filmes domésticos. Dos “atores” só o amigo e colega de colégio Agostinho Barros esteve presente.
Hoje meu cinema é a sala do apartamento onde moro. Uma TV de 42’’ exibe filmes em DVD e Bluray. E revejo muito do que passou pelo Bandeirante. Cinema é essa magia que desafia o tempo, fazendo a gente ver de novo pessoas e coisas que ou deixaram de existir ou mudaram tanto que se tornaram outras.
É isso: o Bandeirante mudou. A cidade mudou. Eu é que sinto teimoso em mudar menos, mesmo com as marcas do tempo no corpo.

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